Baixo teor de cafeína: conheça a variedade AC1
Nos últimos anos, o interesse por variedades com baixo teor de cafeína cresceu. Temos visto cada vez mais cafés com baixa cafeína como a Laurina e a Aramosa, disponíveis em cafeterias e em leilões de alta qualidade. Na verdade, o primeiro até ganhou a World Brewers Cup em 2018. Essas variedades de qualidade têm muito potencial no mercado de cafés especiais. Principalmente considerando que o mercado para cafés com baixo teor de cafeína de alta qualidade está crescendo de forma lenta, mas constante.
Outra variedade de café que naturalmente apresenta baixos níveis de cafeína é a AC1, que contém cerca de 0,76 mg de cafeína por grama. Para efeitos de comparação, o arábica normalmente apresenta média de 8 a 12 mg/g. Descoberta na Etiópia, ela despertou o interesse do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que realizou uma extensa pesquisa para entender melhor seu potencial de mercado. E também houve alguns resultados promissores.
Para saber mais sobre essa variedade, conversei com o Dr. Julio Mistro, pesquisador do IAC, e Kenean Dukamo, chefe de café do exportador etíope Daye Bensa. Continue lendo para saber mais.
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De onde vem a variedade AC1?
Há cerca de 60 anos, um grupo de agrônomos e pesquisadores da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura viajou para a Etiópia. Eles coletaram 621 variações de sementes de arábica, compartilhadas com institutos de pesquisa em todo o mundo. Estes incluíram o Centro Tropical de Pesquisa Agrícola e Ensino Superior (Catie) na Costa Rica.
O Dr. Alcides Carvalho – pesquisador do IAC na época – solicitou algumas das sementes enviadas ao Catie, que foram plantadas na Fazenda Santa Elisa, em Campinas, Brasil, em 1973. Cerca de 26 anos depois, a pesquisadora do IAC, Maria Bernadete Silvarolla, identificou três plantas de arábica que produziam café com o teor de cafeína muito baixo. Elas são as variedades AC1, AC2 e AC3.
O Dr. Julio Mistro lidera o projeto de pesquisa sobre a Fazenda Santa Elisa. Segundo ele, a AC1 é uma planta alta, com ramos menos angulares do que outras variedades e tem rendimento relativamente baixo. “A variedade é moderadamente tolerante à ferrugem das folhas de café, mas é muito sensível a temperaturas mais altas e condições secas”, diz.
Pesquisas sobre a AC1
Em um estudo de 2011 intitulado Caracterização do AC1: um café naturalmente descafeinado, pesquisadores do IAC compararam o AC1 ao Mundo Novo. Esta variedade é um cruzamento natural entre Bourbon e Typica, popular no Brasil. Os pesquisadores escolheram o Mundo Novo devido ao seu teor relativamente baixo de cafeína (entre 1% e 1,2%).
Os pesquisadores compararam uma série de fatores entre as duas variedades, incluindo o desenvolvimento:
- do crescimento de cereja;
- dos açúcares;
- dos ácidos orgânicos;
- dos aminoácidos;
- dos compostos fenólicos.
Embora as cerejas de AC1 sejam menores que as do Mundo Novo, existem muitas semelhanças na composição química entre as duas variedades. Por fim, isso levou os pesquisadores a concluir que há potencial para a variedade AC1 no mercado global de café.
Existe mercado para variedades com baixo teor de cafeína?
Embora as variedades naturalmente com baixo teor de cafeína sejam uma descoberta relativamente nova na indústria global do café, o café descafeinado é imensamente popular. Segundo a empresa de pesquisa SkyQuest, o valor do mercado global de café descafeinado chegará a US$ 28,86 bilhões até 2030.
Embora o consumo moderado de cafeína seja seguro para a maioria dos consumidores, há muitas razões pelas quais as pessoas optam por café descafeinado. Isso inclui alergias e problemas de saúde – especialmente sobre os processos usados para remover a cafeína do café verde.
Essas preocupações decorrem na maioria das vezes de antigos processos que usavam cloreto de metila de solvente químico para remover a cafeína. Quando consumido em grandes quantidades, o cloreto de metila pode ser tóxico – o que levou muitas empresas a parar de usar esse solvente químico.
Diferentes processos de descafeinação
Hoje, existem várias maneiras seguras de descafeinar o café, e cada uma tem seu impacto no sabor e na qualidade do café. O método mais comum é o processo Swiss Water, que está em uso comercial desde a década de 1970 e usa água doce acrescida de compostos solúveis de café verde (além da cafeína removida usando um filtro de carbono). Esta mistura é referida como extrato de café verde (GCE).
O café verde é então embebido nesta mistura por até dez horas, o que permite que os compostos de cafeína sejam transferidos dos grãos verdes para o GCE. Isso deixa cerca de 0,01% do teor de cafeína residual nos grãos.
Para muitos profissionais de cafés especiais, o método de descafeinação Swiss Water preserva a maioria das características inerentes ao café. Além disso, é uma das maneiras mais seguras e naturais de remover a cafeína do café verde.
Outros métodos incluem:
- o processo da água da montanha, desenvolvido pela Descamex;
- o método de dióxido de carbono;
- o método da cana-de-açúcar Descafecol.
Dado que os vários processos de descafeinação podem afetar a qualidade do café e o perfil de sabor de diferentes maneiras, certamente há mais potencial de mercado para variedades que tenham naturalmente baixo teor de cafeína. Isso faz com que esses grãos dispensem processos complexos e tratamentos químicos. Isso significa que a qualidade e o sabor podem ser preservados ao máximo.
A AC1 pode ser tornar mais popular?
Baseado no interesse em variedades com baixo teor de cafeína, como a Laurina e a Aramosa, que crescem no setor de cafés especiais, existe o mesmo potencial para a AC1? Embora mais pesquisas sejam necessárias para responder de forma mais definitiva, está claro que o baixo nível de cafeína pode ser prejudicial ao crescimento da AC1 e outros cafés com baixo teor de cafeína.
Isso ocorre porque a cafeína atua como um repelente natural contra insetos e pragas, de modo que o cafeeiro que contém menos cafeína pode morrer mais rapidamente. Por sua vez, apesar do crescente interesse de torrefadores de cafés especiais e consumidores, há pouco incentivo para os produtores plantarem variedades com baixo teor de cafeína.
“O IAC não recomenda a produção comercial de AC1 e nunca distribuímos sementes para plantio comercial”, diz Júlio. Segundo ele, a AC1 precisa de tratamento diferente em comparação com outras variedades no Brasil, incluindo mais aplicação de fertilizantes e irrigação, além de métodos mais intensivos de controle de ervas daninhas, pragas e doenças. “Mesmo com essas medidas rígidas, que também têm seu custo, os rendimentos ainda seriam baixos. Precisaríamos realizar estudos mais complexos para entender melhor como escalar a produção de AC1 de forma sustentável”, ele acrescenta.
O uso de variedades naturalmente com baixo teor de cafeína como forma de diversificar a produção
À luz dos desafios associados ao cultivo de AC1 e variedades com baixo teor de cafeína, os agrônomos estão usando esses cafés para determinar o potencial de mercado futuro. “O IAC tem polinizado AC1 com outras variedades de arábica brasileiras de destaque, incluindo Catuaí, Mundo Novo, Obatã e Ouro Verde”, explica Julio. “Em seguida, desenvolvemos novas cultivares com não apenas alto potencial de rendimento, mas com níveis de cafeína entre 0,03% e 0,10%.”
Julio acrescenta que o IAC está realizando ensaios regionais para selecionar quais usinas poderiam ser melhores para a produção comercial. “Levará cerca de seis ou sete anos para realizar esses testes com sucesso”, diz ele. “Estamos abertos a colaborar com empresas que estejam dispostas a investir na fase final do programa.”
Em junho de 2023, o IAC informou que havia plantado várias dessas variedades com baixo teor de café em fazendas em todo o Brasil, com resultados já promissores. “O objetivo do programa é desenvolver variedades mais produtivas do que a Laurina, mas com níveis ainda mais baixos de cafeína”, diz ele. “Em média, a Laurina contém cerca de 0,6% de cafeína, mas produz rendimentos muito baixos e é altamente suscetível a várias doenças.”
Há interesse na produção de AC1?
Kenean Dukamo, que ficou em segundo lugar na Cup of Excellence da Etiópia de 2022, diz que, embora ele não cultive AC1 ou outras variedades com baixo teor de cafeína, certamente há interesse em fazê-lo. “Estaríamos abertos a cultivar uma variedade de café com o nível de cafeína naturalmente baixo, para que pudéssemos vendê-la como uma alternativa ao descafeinado”, diz.
A inovação é algo inerente ao setor de cafés especiais, e isso inclui expandir e diversificar o mercado para variedades com baixo teor de cafeína, como a AC1. Embora esteja claro que mais pesquisas são necessárias para entender melhor como escalar a produção desses cafés, torrefadores e consumidores estão mostrando cada vez mais interesse.
Mas, em última análise, para que os produtores cultivem variedades com teor de cafeína naturalmente mais baixo da forma mais sustentável possível, é importante que recebam o nível certo de apoio e orientação.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre se as variedades com baixo teor de cafeína poderiam substituir o descafeinado.
Créditos das fotos: Julio Mistro, Kenean Dukamo
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil
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