Os efeitos positivos da maceração carbônica no café
Muito tem se falado sobre a quarta onda de café, que chega pedindo, além de muita experiência cafeinada, pede também qualidade diferenciada na xícara. Antenado às tendências de mercado, o produtor busca, cada vez mais, por técnicas que correspondam à exigência do consumidor final.
Entre as práticas adotadas pelo produtor, também muito tem se falado sobre a “maceração carbônica” no café para conseguir aumentar a pontuação do café. Para entender os efeitos positivos da técnica na bebida, é preciso primeiro entender como tudo começou. O PDG Brasil foi falar com especialistas no tema para ajudar você nessa tarefa.
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O que é a maceração carbônica?
O engenheiro agrônomo e coordenador de desenvolvimento de mercado Murilo Ferraz Tosta explica que a técnica é uma herança do setor de vinhos. “As uvas, ainda com cachos inteiros, iniciam a primeira fase da fermentação alcoólica em um ambiente fechado e inertizado com dióxido de carbono, popularmente conhecido como gás carbônico”, explica.
Acredita-se no mercado que, no caso das uvas, a técnica é utilizada há muitos anos, mas que a nomenclatura do processo surgiu apenas algum tempo depois. “Sua descoberta é atribuída a Michel Flanzy e seu filho Claude, em 1934, mas só começou a ser empregada mais largamente nos anos 1960”, afirma.
Falando em café, no entanto, o especialista explica que apesar de existir uma variação no método, a base é proveniente do vinho. Ele explica que, neste caso, o dióxido de carbono é injetado no recipiente enquanto elimina o oxigênio presente. Normalmente utilizado em tanques de aço inox, como nos vinhos. É um método mais caro pois depende de mais infraestrutura.
O especialista conta também que é preciso entender que a maceração carbônica é muito semelhante à fermentação, mas que se tratam de práticas diferentes. As duas técnicas possuem uma diferença importante e que precisa ser levada em consideração: o uso de dióxido de carbono.
“É possível encontrar vários produtores que realizam a maceração semi-carbônica e isso gera algumas pequenas confusões. Esse método é o que vem despertando o maior interesse entre os produtores brasileiros, sendo semelhante ao método de maceração carbônica sem injeção de CO2. Pode ser realizado em bombonas plásticas com válvulas Airlock. É considerado semi-carbônica pois no início do processo existe pequena quantidade de oxigênio presente e, à medida que a fermentação produz CO2, o oxigênio vai sendo lentamente eliminado, tornando o processo estritamente anaeróbico”, explica.
Na prática
Atualmente existem duas formas de o produtor fazer esse processo, com o café cereja e o com o café despolpado (quando se tira apenas a casca do café, mas com a presença de mucilagem). O produtor que optar por fazer o processo vai precisar dispor de mais tempo de trabalho do que o que está acostumado.
Na nova rotina o produtor precisa estar atento a novos detalhes. O primeiro deles, observar em quantos dias o processo vai ocorrer. O segundo ponto a ser observado é a temperatura da massa de grãos. “Se estiver esquentando muito ou passar de 36ºC, a rota fermentativa começa a ir para o lado negativo, é preciso controlar a temperatura para que se tenha o ponto ideal da fermentação que se procura”, explica Murilo. O tempo médio de fermentação é de três a cinco dias, variando de região para região.
Além desses dois fatores, o produtor vai ter de observar ainda o grau do brix do café para acompanhar a maturação do grão.
Com essas três variáveis, ele consegue fazer o controle, mas é preciso ter também alguns cuidados, já que ao abrir o “tambor” pode entrar oxigênio. A ação pode atrapalhar o processo e, por isso, novas tecnologias já estão sendo estudadas e testadas para que o produtor não perca o CO2 nessa fase do processo.
Após o processo de fermentação, esse café entra para a rotina de processamento já conhecida pelo produtor. É interessante que o produtor se dedique ainda mais no processo de secagem. Nesse caso, o terreiro suspenso é indicado para garantir que esse café não perca qualidade nessa fase do processo.
“Para não estragar o trabalho feito até ali. No secador precisa tomar cuidado com a temperatura sempre, até 35ºC, precisa evitar passar disso para nada ser perdido”, complementa.
Para quem está iniciando a técnica agora, Murilo afirma que é preciso ter em mente que, por exemplo, o café natural bem feito terá atributos diferentes do grão que passar pelo processo de fermentação. Ele ressalta, no entanto, que não é necessário que se faça a técnica em todo seu café destinado para a qualidade.
“O ideal é determinar lotes para cada um dos processos e assim se consegue atender os mais variados mercados, ampliando seu portfólio”, recomenda.
“Alguns atributos do café podem sim ser valorizados por meio da fermentação. Com isso a gente pode aumentar até cinco pontos, em média, a pontuação do café. Consegue-se isso porque assim temos uma bebida exótica, incomum”, explica.
Vale lembrar que o trabalho começa antes da fermentação, o produtor precisa avaliar safra após safra a realidade do seu café na lavoura. Além das questões de infraestrutura para secagem e armazenamento, o produtor também precisa antes avaliar o talhão para ver o grau de maturação. A recomendação é que se tenha uma maturação uniforme, já que o produtor vai precisar, pelo menos, de 70% café maduro.
“Quando eu falo maduro, isento de verde mesmo, tirar o máximo que puder. Fazer colheita ainda mais seletiva ou escolher o talhão que tem maturação mais uniforme para que ele tenha já matéria-prima de qualidade para começar”, afirma.
Com relação aos custos para implementação do método, Murilo afirma que vai depender muito da infraestrutura que o produtor optar por ter na fazenda e que vale a pesquisa com técnico agrícola especializado na prática para saber qual a melhor escolha.
Mas tem mercado para o café exótico?
De acordo com o que vem sendo observado pelo setor, a resposta é sim. A demanda por cafés diferenciados, de qualidade e até exóticos vem crescendo safra após safra no país, e a chamada “quarta onda do café” também é uma realidade no mercado nacional.
Podendo ser uma realidade para os produtores de todas as regiões do país, em abril deste ano a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) acompanhou de perto os trabalhos feitos no estado do Paraná, quando um café de fermentação controlada chamou atenção ao alcançar a marca de 86.6 pontos e levar o primeiro lugar na 19ª edição do Concurso de Qualidade Paraná com a categoria fermentação induzida.
A fermentação tem como característica destacar notas sensoriais diferenciadas, principalmente com os cafés que possuem notas de frutas. No caso desse produzido no Paraná, chamaram a atenção as notas de abacaxi, pitanga, uvas passas, caju e acidez cítrica, finalização longa e doce, com corpo licoroso.
Com os resultados positivos, a prática vem atraindo a atenção de produtores e produtoras. “O método consiste na condução e no controle do processo fermentativo, por meio de microrganismos específicos. O que antes era apenas experimental, hoje já é uma realidade”, comentou Jéssica D’angelo, técnica do Departamento Técnico do Sistema Senar/PR.
O CNA destacou que o produtor teve a primeira experiência com seis tambores com capacidade de 100 litros cada, com válvulas de controle e tendo o cuidado de monitorar a temperatura, alertado anteriormente por Murilo.
Os grãos utilizados ficaram acondicionados cerca de 10 dias, em um processo de fermentação semi-carbônica. A saca de 60 quilos do café campeão foi adquirida por uma cafeteria de Londrina ao preço de R$ 10 mil. “É bastante estimulante. Tanto que a gente cata o fruto a dedo, como se fosse um passarinho”, afirmou o produtor na época.
Em 2020, mostrando a capacidade da fermentação do café no Brasil, a UFLA (Universidade Federal de Lavras) também divulgou uma pesquisa sobre o método de produção de cafés especiais.
De acordo com a UFLA, a pesquisa, para as mais variadas vertentes da cafeicultura, já acontecia há mais de 20 anos com mapeamento de microrganismos existentes no meio ambiente café. “Os processos utilizados no Brasil são naturais, ou seja, com microrganismos que já estão presentes nas lavouras de cafés. Desde 1996 trabalhamos com o isolamento desses microrganismos para conhecer quais estão presentes nas lavouras, nas diferentes regiões dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo”, explica a professora Rosane Schwan, professora titular da UFLA e uma das mais renomadas pesquisadoras em fermentação do Brasil e do mundo.
Ela conta também que, após vários testes seletivos, ela e sua equipe selecionaram leveduras que apresentaram maior produção de compostos voláteis e enzimas. “Essas leveduras foram estudadas com as características e os compostos que melhoram a qualidade do café. Neste ano estão sendo utilizadas três leveduras diferentes, e elas vieram do próprio ambiente do café”, diz.
Segundo a universidade, a introdução da fermentação do café pode ser considerada um marco na história dos cafés especiais do Brasil. A pesquisa, a mudança nos métodos e o avanço na produção colocam o país em patamares nunca vistos, acompanhando o mercado cada vez mais exigente, seja em território nacional ou externo, e comprova a capacidade do Brasil em atender os mais diversos mercados.
Com a prática de fermentação, da maceração carbônica ou da maceração semi-carbônica, o país que já apresentava prateleira ampla na diversificação de café, não deixa a desejar em nenhum quesito quando o assunto é café especial.
“Há alguns anos, o cenário nacional de produção de cafés especiais tem mudado e tudo isso graças aos trabalhos de pesquisa e extensão, desenvolvidos em grande parte por instituições públicas. A contribuição da professora Rosane é imensurável, visto o quanto a pesquisa dela conseguiu comprovar com dados concretos o aumento da qualidade dos cafés por meio da metodologia desenvolvida”, acrescenta a fala de Emanuelle Costa, gestora da Cafeteria Escola CafESAL, que acompanhou de perto os trabalhos da UFLA.
Créditos: Acervo pessoal Murilo Tosta; Lucimar Silva/Guima Café (bombonas enfileiradas; close em frutos no terreiro).
PDG Brasil
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