Já ouviu falar da produção de café em Madagascar?
Madagascar é a quarta maior ilha da Terra, localizada na costa sudeste da África. Em meados do século 19, o café foi introduzido da vizinha Ilha da Reunião (conhecida como Ilha Bourbon na época).
Os números da OIC sugerem que hoje Madagascar é o 23º maior produtor de café do mundo, produzindo um volume semelhante ao de países como Camarões e Laos. No entanto, a produção de café malgaxe tem uma diferença fundamental: as estimativas indicam que uma quantidade significativa de todo o café cultivado no país é consumido internamente.
Para saber mais sobre a produção de café no país e o que o futuro reserva, conversamos com dois especialistas regionais em café. Continue a ler para descobrir o que eles disseram.
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Uma breve história da produção de café em Madagascar
O café foi introduzido pela primeira vez em Madagascar vindo da Ilha de Reunião em algum momento entre a metade e o final do século 19. Os primeiros relatos sobre a produção de café são escassos até 1895, quando os colonos franceses chegaram à ilha e assumiram o controle da indústria.
Os franceses logo começaram a promover seu cultivo entre os pequenos agricultores malgaxes e, em apenas algumas décadas, o café se tornou o produto de exportação malgaxe mais importante. No início dos anos 1930, era parte integrante da economia da ilha.
No entanto, em 1947, houve um conflito por recursos entre colonos franceses, nacionalistas malgaxes e crioulos da Reunião. A ilha tornou-se independente em 1960, mas sua estreita relação comercial com a França abriu caminho para o crescimento e a estabilidade do setor cafeeiro do país.
De 1960 a 1980, a produção de café malgaxe floresceu, e o país se tornou o oitavo maior produtor mundial.
No início dos anos 1970, foi fundada a CAVAGI: este era um órgão governamental central que monitorava a venda e o preço do café, baunilha e cravo – os quais continuam sendo importantes exportações malgaxes até hoje.
As coisas pioraram no final do século 20. Uma queda nos preços no final da década de 1990, junto com uma infraestrutura deficiente para a produção de café, fez com que muitos agricultores malgaxes não conseguissem se manter competitivos no mercado global.
Muitos produtores responderam arrancando seus pés de café e voltando-se para o arroz, que era uma opção muito mais estável. No final da década de 1980, as estimativas sugerem que a produção de café malgaxe atingiu seu pico bem acima de 1,1 milhão de sacas de 60 kg; hoje, esse número está perto de 500 mil sacas.
Produção de café em Madagascar atualmente
James Wilkinson é um especialista em cafés especiais e proprietário da Omwani Coffee em Londres. Ele diz que o setor cafeeiro malgaxe atual tem sofrido com a falta de investimento e envolvimento do setor público. Ele também observa que isso também levou a uma grave falta de conhecimento técnico sobre a produção de café.
“É muito difícil avaliar todo o escopo da produção”, diz ele. “A maioria dos agricultores está cultivando café para suas necessidades pessoais, sem qualquer orientação.”
Geralmente, a maior parte do café em Madagascar é cultivada em pequenas propriedades. A maior parte do café malgaxe é orgânico; no entanto, James diz que isso não é por escolha, mas sim por causa da falta de acesso a fertilizantes e outros insumos agrícolas.
Os agricultores geralmente praticam o consórcio e usam fertilizantes naturais para garantir que a colheita do café seja o mais saudável possível. Isso, entretanto, encoraja a biodiversidade e o uso contínuo de métodos de controle de pragas selvagens.
Nos últimos anos, o sucesso de Madagascar com outras safras de alto valor (como baunilha e cravo-da-índia) criou certo otimismo sobre o futuro do cultivo do café arábica. A crença, no entanto, é que essas safras luxuosas podem servir de modelo para que Madagascar comece a produzir cafés especiais.
Mas James diz que muito desenvolvimento será necessário antes que isso aconteça.
“Existem sociedades cooperativas locais. No entanto, falta financiamento e interesse geral dos agricultores ”, afirma. “Os agricultores locais estão amplamente acostumados a proteger seus próprios interesses, principalmente devido à falta de apoio do governo.
“É por isso que, na Omwani, temos um plano de três a cinco anos em mente sobre como podemos introduzir mais mudas de arábica e incentivar as plantas de arábica cultivadas na comunidade por meio de investimento e educação.”
Além disso, basicamente não há grandes fazendas ou propriedades de café em Madagascar que abram qualquer tipo de precedente para a produção organizada. Isso porque, na década de 1970, muitas grandes fazendas foram nacionalizadas, e a terra estava sendo redistribuída entre as cooperativas. No entanto, mesmo naquela época, as grandes propriedades representavam apenas 5% de toda a produção de café do país.
O perfil do café malgaxe
Madagascar é um produtor de canéfora da variedade robusta, principalmente. A espécie representa cerca de 90% de toda a produção de café do país. Os 10% restantes são arábica.
O robusta malgaxe é cultivado nas regiões tropicais do país entre altitudes de 100 a 300 m, e é colhido a partir de junho e julho. É mais proeminente na costa leste, em regiões como Vatovavy, Fitovivany, Antalaha e Tamatave. Também é cultivado em Nosy Be, no noroeste, perto de Ambanja e junto ao rio Sambirano.
A maior parte do café malgaxe é colhido manualmente e processado natural, pois a disponibilidade de água é um problema, diz James. Ele observa que há um pequeno volume de café malgaxe lavado, mas diz que é “puramente experimental”.
No entanto, como há pouco conhecimento técnico sobre a produção de café entre os agricultores, muitas árvores de robusta malgaxes estão envelhecendo – e têm em média 70 anos. Isso significa que elas têm um rendimento reduzido e são mais suscetíveis a doenças.
Arábica, por sua vez, é cultivado em altitudes mais elevadas nas terras altas centrais da região de Antananarivo, bem como perto do Lago Alaotra.
Um agricultor, Jacques Ramarlah, diz estar confiante de que o arábica do país pode alcançar o status de especialidade.
“Os Q-graders provaram e avaliaram nosso café da safra 2019/20 e pontuaram entre 83 e 84”, diz ele. “A xícara estava limpa e encorpada. Espero que possamos melhorá-lo.”
A Dra. Nicole Motteux é uma defensora do café sustentável e especialista em desenvolvimento de café. Ela diz que, incluindo o robusta e o arábica, Madagascar abriga 65 espécies de café – incluindo seis espécies completamente novas descobertas no início de 2021.
No entanto, eles não são cultivados em qualquer escala, e Nicole observa que muitos estão ameaçados pela erosão do solo e outros fatores.
“Madagascar é excepcional, com o maior número de espécies ameaçadas, com a maioria das 65 espécies ameaçadas de extinção”, explica Nicole. “A maior parte não tem valor comercial, mas mesmo assim é café.”
Exportação e comércio de café em Madagascar
As exportações de café em Madagascar são dominadas por um pequeno número de empresas, a grande maioria das quais tem fortes ligações com casas de comércio internacionais (muitas vezes francesas). No entanto, existem alguns exportadores menores, que enviam um ou dois contêineres por ano.
Enquanto a CAVAGI era uma presença constante nas décadas de 1970 e 1980, a agricultura em Madagascar foi liberalizada no final de 1988, permitindo que empresas privadas exportassem café diretamente.
Desde então, a principal organização que rege as exportações de café tem sido o Comite National de Commercialisation du Café (CNCC). Os nove membros do CNCC são eleitos por exportadores de café licenciados, que incluem uma série de empresas internacionais.
“O maior exportador de café é o TAF”, diz James. “Eles não oferecem café de uma única propriedade de Madagascar, no entanto eles oferecem apenas um blend.”
Apesar disso, a opinião geral é que o robusta malgaxe é de boa qualidade. Historicamente, o café é conhecido por ter uma sensação suave na boca e menos do “sabor clássico do robusta”, diferentemente de muitas outras origens.
Tendências de consumo locais
Nicole diz que muitos malgaxes começam o dia com algo chamado “andao hisotro kafe” , um café intenso frequentemente servido por vendedores de quiosque com uma grande quantidade de leite condensado.
“É a coisa mais incrível que você vai experimentar”, diz ela. “Você acorda de manhã e sai correndo para ir a um vendedor. Eles acordam de manhã e apenas fazem o café. Os principais acompanhamentos são mokary (bolos de arroz), mofo baolina (bolinhos de donut fritos) e menakely (donuts em anel).”
Além disso, uma proporção significativa do café malgaxe é consumido internamente. Isso significa que sacas de café verde são comuns nos mercados locais; Nicole diz que qualquer pessoa pode comprar e torrar para venda ou consumo individual.
Nicole diz: “A venda de café é um meio de sobrevivência e independência para aqueles que conseguem lidar com longas horas de trabalho e o trabalho habilidoso e persistente.
“Vender café na rua é uma forma confiável de gerar uma renda muito necessária, especialmente para mulheres e famílias mais pobres.”
Existem alguns cafés estabelecidos em todo o país, mas a maior parte do consumo é abastecido por vendedores de quiosques de beira de estrada. As principais empresas de torrefação de café são praticamente inexistentes.
“No entanto, existem vários cafés de luxo, especialmente nas grandes cidades, que oferecem experiências de café que estão bem acima dos simples quiosques de madeira espalhados por Madagascar”, acrescenta Nicole. “Um dos mais famosos é o La Pâtisserie Colbert, em Antananarivo, conhecido por seu excelente café malgaxe, chocolate e sobremesas.”
Desafios e olhar para o futuro
Uma das questões mais urgentes para a produção de café malgaxe é o desmatamento. Muitos agricultores praticam técnicas agrícolas de “corte e queima”, e o uso de sistemas agroflorestais é limitado.
Segundo Nicole, os rios estão “vermelhos” por causa da excessiva erosão do solo causada pelo desmatamento. Morcegos frugívoros e lêmures, que desempenham um papel importante na dispersão de sementes e na fertilização das plantas, também estão perdendo seus habitats.
Além do desmatamento, a idade das plantas de robusta no país também é um problema. Por causa de seus baixos rendimentos e grãos menores, a percepção global do café malgaxe já despencou.
“A indústria do café aqui só está sobrevivendo com o apoio de compradores estrangeiros”, diz James. “O caminho a seguir é gastar recursos na educação dos agricultores locais, dando-lhes a capacidade de vender o café fora do mercado local.”
Infelizmente, ele acrescenta, há um grande problema com a barreira do idioma no país. Muitos agricultores não falam nada além do malgaxe, o que dificulta a educação e a assistência técnica. Para contornar isso, James diz que o envolvimento do setor público é essencial.
Embora Madagascar produza centenas de milhares de sacas de café, grande parte dela é consumida e comercializada localmente, e a ilha está longe de se tornar uma referência em cafés especiais.
O café em si é certamente popular na cultura malgaxe, mas esse consumo doméstico sozinho não pode sustentar nenhum avanço real para o setor de produção do país. No entanto, por meio de educação, investimento e envolvimento do setor público, uma mudança poderia acontecer, e o setor cafeeiro malgaxe poderia retornar às alturas de meados do final do século 19, momento de grande sucesso do café do país.
Créditos: Dra. Nicole Motteux.
Tradução: Daniela Andrade.
PDG Brasil
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