17 de fevereiro de 2023

É possível conseguir café de boa qualidade a partir de cerejas verdes?

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Cultivar café de alta qualidade não é fácil porque requer muita dedicação do produtor. Além disso, há um grande número de variáveis que influenciam a qualidade da xícara do produto final como a presença de grãos verdes ou outros defeitos.

É aceito em toda a indústria que as cerejas totalmente maduras produzem cafés com maior pontuação. Mas e se pudéssemos extrair mais qualidade do café verde? O que isso significaria para os consumidores? Como seria o gosto?

Para saber mais, conversei com as partes interessadas de toda a cadeia de fornecimento de café. Continue a ler para descobrir o que eles disseram.

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cerejas verdes

Amadurecimento de cereja e qualidade da xícara

Lucas Venturim é um premiado produtor de café especial e diretor da Fazenda Venturim no Espírito Santo, Brasil. A Fazenda Venturim cultiva robusta de alta qualidade ou “fina”, cultivada e processada com alto padrão para criar perfis de sabor desejáveis.

No entanto, Lucas diz que, independentemente da espécie, as cerejas não maduras produzem perfis de xícara que não são tão doces e complexos. 

“Quando a fruta ainda não está totalmente madura, ela não desenvolveu todos os açúcares potenciais”, explica. “Porque não converteu toda a sua energia em açúcares, os aromas e sabores não atingem todo o seu potencial.”

Apesar disso, nem sempre é fácil para os produtores colher cada cereja na maturação ideal. 

“Nunca conseguimos colher todos os frutos no ponto de maturação ideal”, diz ele. “Em vez disso, você tem uma janela, que chamamos de ‘janela de colheita’.

“Mesmo que você dedique 100% do seu tempo para colher todas as cerejas no ponto certo, na melhor das hipóteses, algumas frutas ainda serão colhidas antes ou depois do ponto perfeito.”

O professor Flávio Borém leciona na Universidade Federal de Lavras (UFLA) em Minas Gerais, há quase 25 anos. Ele é respeitado nacional e internacionalmente como uma autoridade na ciência do café. “A qualidade final da xícara está diretamente relacionada à proporção de frutas maduras e verdes no momento da colheita”, diz ele.

“Quanto maior a porcentagem de frutas não maduras, maior a adstringência; a presença de sabores desagradáveis (como notas herbáceas e de amendoim) também aumenta”, acrescenta Borém.

Professor Flávio Borém em meio a pés de café

Benefícios do consumo de café para a saúde

Não há dúvida de que a procura de produtos alimentares e bebidas de melhor qualidade por parte dos consumidores aumentou nos últimos anos. Um relatório da YouGov America aponta que 80% dos millennials nos EUA afirmam que a qualidade é um fator-chave na compra de alimentos e bebidas.

E embora essa mudança possa ser atribuída a vários fatores, a saúde e o bem-estar estão no topo da lista. De acordo com a Mintel, 78% dos consumidores dos EUA acreditam que comer alimentos saudáveis melhora seu bem-estar emocional.

No entanto, essa tendência não se limita apenas aos EUA; ela está se tornando cada vez mais proeminente em todo o mundo. Isao Takahashi é o Gerente Geral do Departamento de CM da Divisão de Compras Brutas da UNICAFE Inc., uma torrefadora de café japonesa.

Ele diz: “As doenças relacionadas ao estilo de vida, como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes, estão profundamente relacionadas às causas de morte entre os japoneses, e acreditamos que a prevenção delas é um tema muito significativo para a crescente população de idosos no país.” 

Isao também observa que o café é considerado saudável. “Estudos mostraram que beber café está associado à prevenção dessas doenças relacionadas ao estilo de vida”, acrescenta. “Temos, portanto, nos concentrado no papel dos polifenóis contidos no café.” 

O professor Borém concorda: “Os efeitos benéficos para a saúde do café são geralmente atribuídos à sua alta atividade antioxidante, que está principalmente associada aos seus altos níveis de polifenóis.” 

Um exemplo desses polifenóis é o ácido clorogênico, que ocorre naturalmente no café. Em níveis elevados, o ácido clorogênico causa sabores indesejáveis e altamente adstringentes na xícara. No entanto, também tem sido associada a uma série de benefícios notáveis para a saúde. 

Em primeiro lugar, o ácido clorogênico é um antioxidante que atua interrompendo a produção de radicais livres. Isso traz uma série de benefícios como a prevenção de doenças crônicas como artrite, doenças cardíacas e Alzheimer. Além disso, o ácido clorogênico também é um anti-inflamatório natural e demonstrou inibir o vírus da hepatite B.

Ramo com algumas cerejas verdes de café

E as cerejas verdes?

Apesar dos sabores desagradáveis que as cerejas de café não maduras normalmente produzem, elas são seguras para consumo e ainda mais saudáveis do que as cerejas maduras em algumas áreas.

O professor Borém diz: “Embora os grãos de cerejas imaturas tenham sido classificados como defeituosos há décadas, eles são saudáveis e não representam nenhum dano à saúde. 

“Isso difere dos grãos danificados por pragas ou doenças, que podem ter menor qualidade da xícara e também representam riscos à saúde do consumidor.” Além disso, ele acrescenta: “Grãos de café de frutas imaturas têm uma quantidade maior de compostos antioxidantes ativos do que aqueles de frutas maduras.”

Grãos de café descascados secando no terreiro

Um projeto de café nutracêutico de ponta

Matthias Koenig é o Chefe da Agri Value Chain Specialties Businesses na Syngenta, uma empresa líder mundial em fornecimento agrícola. Nucoffee é uma plataforma de café operada no Brasil pelo grupo Syngenta.

Matthias explica que, juntamente com as partes interessadas de todo o setor, a Nucoffee lançou um estudo para explorar o potencial de cerejas de café não maduras.

Ele diz: “A ideia sempre se concentrou na conexão entre os produtores de café brasileiros e os compradores internacionais, com vistas a melhorar a cadeia de valor, adicionar transparência e apoiar o desenvolvimento da qualidade e da sustentabilidade nas fazendas.”

Isao acrescenta: “Como o ácido clorogênico tende a diminuir durante a torrefação, nos perguntamos se era possível produzir grãos de café verde que sejam ricos em ácido clorogênico em países produtores de café como o Brasil, que era nosso foco na época.” 

Após cinco anos de pesquisa, Matthias diz que o estudo desenvolveu uma técnica pós-colheita experimental única que pode melhorar a qualidade e a complexidade dos grãos colhidos de cerejas de café não maduras. O projeto em si foi uma ideia do professor Borém, ao desenvolver a tecnologia que constitui a base da técnica.

A Syngenta investiu neste projeto não apenas para agregar valor e qualidade ao produto final, mas também para apoiar os agricultores. Geralmente, há apenas uma janela curta quando as cerejas de café podem ser colhidas no seu estado mais maduro, e ter coletores patrulhando repetidamente as mesmas áreas não é viável ou rentável.

A ideia por trás do projeto é simples. Grãos de café verdes são naturalmente mais adstringentes, mas também mais altos em antioxidantes. Ao usar esta inovação tecnológica única para neutralizar a adstringência e criar um perfil de xícara mais desejável, você pode usar cerejas verdes para produzir um café que é mais comercializável para consumidores preocupados com a saúde.

Mão com cerejas bem maduras e grãos de café

Colhendo bons resultados a partir das cerejas verdes

Inicialmente, usou-se o método com uma proporção de 70% de cerejas maduras a 30% de cerejas não maduras, e a partir de então se fez um refinamento. Usando esta tecnologia original, conseguiu-se bons resultados com um lote cheio de cerejas de café 100% verdes.

O professor Borém diz: “A tecnologia pós-colheita desenvolvida na UFLA e licenciada para a Syngenta Nucoffee conseguiu elevar em até cinco pontos a pontuação da xícara do café tratado.

“Estudos mostraram que isso torna a xícara mais doce, ligeiramente ácida e dá sabores mais complexos, muitas vezes de frutas ou especiarias.”

Lucas Venturim, que contribuiu para a pesquisa realizando experimentos em sua fazenda, diz que ficou surpreso com os resultados. “Alcançamos uma melhoria excepcional na qualidade”, ele me diz.

“No primeiro experimento, usamos um café não tratado como um grupo de controle e ele marcou 78 pontos. O café tratado, no entanto, marcou em torno de 85 a 86. É um aumento incrível. 

“Mas o que é realmente interessante é que gerou um perfil sensorial totalmente diferente de tudo o que já tivemos na fazenda”, acrescenta.

Matthias diz: “Já se conhece a alta atividade antioxidante das cerejas de café não maduras há algum tempo, mas a capacidade de gerenciar o perfil sensorial desses cafés é única.”

Finalmente, Isao acrescenta: “Enquanto ainda estamos no processo de considerar cuidadosamente a superioridade dos altos níveis de ácido clorogênico, a qualidade do  café nutracêutico era alta por causa da acidez distinta, brilhante, doçura, sabor limpo e acabamento agradável, o que nos lembrou completamente da qualidade do café especial.”

barista servindo café

O que isso pode significar para a cadeia de suprimentos?

Do ponto de vista de um produtor, Lucas diz que esse método tem grande utilidade, pois é praticamente impossível colher cada cereja em seu ponto mais maduro. 

Ele diz: “A ideia não é encorajar todos a colher cerejas verdes com esse processo, mas sim aproveitar a proporção inevitável de cerejas verdes e, portanto, obter mais lucro com elas.

“Então, se a renda média da fazenda melhorar, ela estará mais bem equipada para fazer investimentos e remunerar quem trabalha nela. Acredito ser revolucionário porque se parte produto que até então estava subvalorizado no mercado. Aí então se percebe que dá para transformá-lo em algo novo, que pode atingir um valor realmente alto.”

E a evidência está lá, de acordo com Matthias. Ele diz: “Observamos a reação de potenciais compradores e outros participantes da cadeia de valor, e o feedback foi muito emocionante. 

“Existem várias maneiras de aplicar essa técnica e usá-la para tornar o café mais saudável e sustentável, além de criar segmentos de mercado para o café brasileiro”, explica.

Isao acrescenta: “Esta é realmente uma inovação. O valor do café aumentará e, se as cerejas de café não maduras puderem aumentar de valor. Com isso, esperamos muitos efeitos positivos. Incluindo aí melhores condições de vida para os produtores, mais motivação para cultivar café e melhoria contínua da qualidade.”

O professor Borém diz que considera a pesquisa inovadora. “Considero o aspecto mais importante desta pesquisa o desafio de um velho paradigma que a maioria das pessoas não acreditava ser possível.  “Agora é possível explorar os benefícios para a saúde e a qualidade do café ao mesmo tempo”, conclui.

Em todo o setor cafeeiro, os produtores enfrentam muitos desafios para manter a rentabilidade. Uma delas é a questão do que fazer com as cerejas verdes, pois, historicamente, toda cereja verde colhida representa perda de renda potencial.

No entanto, um mundo onde as cerejas de café não maduras poderiam produzir café de melhor qualidade e mais comercializável poderia ser muito mais sustentável para o produtor. Assim como benéfico para outros em toda a cadeia de suprimentos.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre a natureza vs nutrir e o que tem o maior efeito sobre a qualidade do café.

Créditos das fotos: Fazenda Venturim, Fazenda Canto Alegre e Sítio Santa Edwiges

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

Observação: a Nucoffee é patrocinadora do Perfect Daily Grind.

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