Por que o marketing no setor do café é pouco explorado por produtores?
O café é uma das commodities agrícolas mais economicamente importantes no mundo. De acordo com dados da Organização Internacional do Café (OIC), entre 2020 e 2021 foram consumidos cerca de 167,58 milhões de sacos de 60 kg.
Sabemos que a maior parte do valor no mercado global de café é gerado depois que o café sai da origem. Os números da Statista preveem que a receita gerada pelo mercado global de café torrado chegará a cerca de USD 334,60 bilhões até o final deste ano.
Grande parte desse valor, em particular, é gerado pela torrefação, etapa após a qual o café vendido aos consumidores finais. E embora existam alguns torrefadores nos países de origem, a maioria está baseada em países consumidores no Norte Global é aqui que ocorre grande parte desse movimento de mercado.
Por que isso acontece? Para saber mais, conversei com quatro profissionais de café. Continue a ler para descobrir o que eles disseram.
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Uma breve história do marketing no setor cafeeiro
Embora existam cerca de 25 milhões de pequenos produtores de café no mundo, os agricultores muitas vezes não comercializam seu próprio café. Há uma série de razões para isso, muitas das quais são complexas.
Ao longo dos anos 1600 e 1700, as potências coloniais europeias estabeleceram o comércio de café como o conhecemos. Parte disso, de uma forma muito mais rudimentar naquela época, era marketing. Acredita-se que o primeiro anúncio impresso de café tenha sido publicado em 1652 por Pasqua Rosée, uma das primeiras cafeterias em Londres.
Essa tendência de comercializar café nos países consumidores majoritários continuou ao longo dos séculos seguintes. Durante os anos 1700 e 1800, o café era comercializado como um produto “exótico” que apenas os ricos podiam pagar.
No início do século XX, no entanto, para melhorar as vendas de café torrado, as empresas do setor começaram a mudar seu foco de marketing para atender à demanda. O café tornou-se mais acessível para as massas.
A partir de então, em muitos dos principais países consumidores (notadamente os EUA e toda a Europa Ocidental), o marketing do café evoluiu para continuar seu foco no consumidor. Como tal, ainda hoje, muitos apenas assumem que, por padrão, o marketing B2C é de responsabilidade de torrefadores e cafeterias.
Por que o marketing permaneceu na maioria dos países consumidores?
Não é exagero dizer que grande parte do marketing na indústria do café vem de torrefações e cafeterias, pois essas empresas estão muito mais próximas do consumidor (mesmo que sejam B2B, em alguns casos).
Norbert Niederhauser é cofundador e CEO da Cropster. Ele explica porque o marketing na indústria do café é em grande parte responsabilidade dos torrefadores.
“Os torrefadores comercializam café porque têm a última conexão com (ou são os mais próximos) do consumidor final”, diz ele. “Muitos torrefadores também possuem cafeterias, então eles têm uma linha direta de conexão com os clientes.”
Como resultado disso, as empresas de café em países consumidores da maioria retêm a maior parte da experiência em marketing. Além disso, muitas indústrias de marketing e mídia estão em grande parte centradas no Norte Global, incluindo a Europa e os EUA.
Em 2021, o gasto combinado com publicidade da Europa e da América do Norte foi superior a US$ 440 bilhões, enquanto os países da América Latina gastaram coletivamente USD 27 bilhões em publicidade durante o mesmo período.
O negócio de torrar e vender café também é inerentemente mais lucrativo do que cultivar e vender café verde, por uma série de razões. Vale ressaltar também que o segmento de torrefação de café é muito mais competitivo do que muitas outras áreas da cadeia de suprimentos, seja B2B ou B2C. Como tal, os torrefadores têm sido cada vez mais pressionados a usar a marca e o marketing para se destacarem nos últimos anos.
O dilema dos produtores quanto à venda internacional de cafés já torrados
Segundo Vanusia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café, os produtores vendem café cru, mas não o produto final. “Embora o Brasil venda café verde, não é possível vender o produto final a menos que se trabalhe com outros parceiros, incluindo torrefadores”, diz.
Ela atuou anteriormente como diretora da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) e explica como o órgão atua: “A BSCA promove o comércio e o consumo de café brasileiro especial, e o faz em colaboração com aqueles que vendem o produto final aos consumidores”.
Os fazendeiros de café vendem café verde principalmente para comerciantes, torrefadores e outros compradores profissionais. Como o público é diversificado e muito B2B, os produtores tiveram que usar marketing diferente.
Além disso, as indústrias de marketing em muitos países produtores de café ainda são relativamente jovens em comparação com os países consumidores majoritários, em que esse setor tem uma história muito mais longa.
As regiões produtoras e o marketing no setor do café
Isso é especialmente verdadeiro para a produção de café, que tinha pouca presença de marketing antes de meados do século XX. Além disso, como a cafeicultura fornece uma renda de subsistência para muitos, a oportunidade de investir em marketing muitas vezes não é viável.
Mesmo que os produtores recebam uma grande soma de dinheiro, é provável que o foco de um investimento maior esteja em sua infraestrutura agrícola e não em suas técnicas de marketing. No mais, a maioria dos produtores vive em regiões remotas e isso dificulta o acesso direto aos mercados de consumo.
No entanto, embora a maior parte da oferta global de café viaje longas distâncias para ser torrada na maioria dos países consumidores, a torrefação na origem é uma tendência crescente. Operações como Chica Bean na Guatemala e Big Island Coffee Roasters no Havaí podem torrar café na origem e enviá-lo internacionalmente, mantendo assim mais do valor do café em suas regiões de origem.
Como os produtores podem aumentar seu marketing?
Uma das maiores críticas da indústria global do café é que o valor é tradicionalmente adicionado uma vez que o café deixa o país produtor. Isto significa, em grande medida, que os agricultores recebem, em geral, proporções menores do preço final do que outras partes interessadas. No entanto, existem maneiras para os cafeicultores agregarem mais valor na origem e aumentarem o preço que recebem por sua cultura.
Como mencionamos, a torrefação do café na origem é uma das muitas maneiras pelas quais mais valor pode ser alcançado nos países produtores, potencialmente ajudando os agricultores a receber preços mais altos.
Sunalini Menon é presidente da Coffeelab Limited e diretora independente no conselho da Tata Coffee, a maior empresa de café integrado da Ásia. “A maioria dos torrefadores são baseados em países consumidores de café”, diz ela.
Tradicionalmente, isso ocorre porque o café torrado é um produto instável, o que significa que ele pode perder rapidamente seu sabor. O café verde é geralmente transportado em navios de carga por semanas até chegar ao destino. Se o café torrado fosse enviado da mesma forma, chegaria ao consumidor final já bastante deteriorado em suas características.
Um novo trunfo: os métodos experimentais de processamento
Além da torrefação na origem, as inovações nas técnicas experimentais de processamento do café têm imenso potencial para os produtores comercializarem cafés mais exclusivos. Isso é especialmente proeminente nos mercados B2B, já que os torrefadores de menor escala geralmente têm mais interesse em cafés exclusivos e mais raros do que as empresas maiores
Em muitos casos, os produtores também estão aproveitando as mídias sociais e o marketing digital para promover esses cafés processados experimentalmente.
Wilford Lamastus é o produtor-chefe da Lamastus Family Estates em Boquete, Panamá. Ele diz: “Na Lamastus, realizamos vários métodos de processamento experimental, o mais recente dos quais é o processamento anaeróbio de secagem lenta em leitos elevados. Os torrefadores preferem ter opções diferentes, então oferecemos café Gesha processado de maneiras diferentes.”
No entanto, é de salientar que nem todos os pequenos agricultores têm capacidade para executar estas técnicas experimentais de processamento. Sem formação e investimento adequado em infraestrutura, o risco de perdas financeiras é muito maior. Além disso, não há garantia de que exista um mercado para esses cafés, e muitas vezes é caro produzi-los de qualquer maneira.
Desafios e oportunidades para agregar valor
Vanusia destaca que a capacidade de replicar perfis de sabor consistentes é essencial para os agricultores que procuram comercializar cafés únicos ou experimentais em particular.
“Existem oportunidades para esses casos, pois os consumidores estão curiosos para experimentá-los. Novas técnicas de processamento podem apoiar estratégias de branding para o produtor e sua fazenda. No entanto, os produtores devem ser capazes de replicar os perfis únicos desses cafés processados experimentalmente”, ela diz.
Norbert acrescenta como a tecnologia mais avançada está ajudando os produtores a entender melhor como controlar a fermentação, criando um produto de melhor qualidade.
“Agora, mais do que nunca, os profissionais de café são capazes de entender melhor como controlar as variáveis envolvidas no processamento do café.”
Entendendo a cabeça do consumidor
No entanto, Sunalini destaca como os produtores devem tomar muito cuidado ao tentar realizar métodos de processamento experimental, especialmente se eles normalmente usam técnicas mais tradicionais.
“Há muitas oportunidades de marketing, mas os agricultores devem entender este mercado e descobrir o que os consumidores querem primeiro. Se os produtores puderem realizar essas técnicas experimentais com sucesso e encontrar o mercado certo, será uma situação vantajosa para eles e para toda a indústria do café”, diz ela.
Além das técnicas de processamento experimental, também podemos considerar a torrefação na origem. No entanto, se os cafeicultores quiserem começar a torrar e transportar internacionalmente, será necessário investir no estabelecimento de redes de distribuição eficientes.
O desenvolvimento dessas redes é indispensável por proporcionar uma redução no prazo de envio. Isso permite a concorrência com as torrefações estabelecidas nos países consumidores.
No entanto, ele também pode ser difícil para os pequenos agricultores. Justamente por isso eles podem optar por não entrar nesses mercados internacionais e passar a atender estritamente aos mercados domésticos.
“Torramos café no Panamá para consumo doméstico porque temos uma cafeteria em uma de nossas fazendas”, diz Wilford. “Temos torrado café há dez anos, mas não o exportamos. Não queremos competir com torrefadores internacionais.”
Grandes mudanças na indústria do café
Embora ainda não seja uma prática generalizada, cada vez mais torrefadores estão começando a operar na origem com vista a atender aos consumidores internacionais. No entanto, para os torrefadores nos países produtores de café, a torrefação para o mercado interno é geralmente a opção mais prática.
“Há torrefadores na Índia e a maioria deles atende ao mercado doméstico”, diz Sunalini. “Os torrefadores indianos entendem as demandas e preferências dos consumidores locais, e o grão verde está prontamente disponível no país.”
Norbert explica: “Os produtores podem torrar café ou usar torrefadores de marca própria local para vender no mercado doméstico.”
Exportar café torrado internacionalmente é possível, mas é difícil, especialmente quando manter o frescor é uma preocupação. Os torrefadores, como o Chica Bean, por exemplo, entregam café torrado por via aérea, em oposição ao transporte de carga. No entanto, quaisquer atrasos podem colocar esses torrefadores em desvantagem em comparação com os torrefadores nos países consumidores.
Surfando na terceira onda dos cafés especiais
Em última análise, mais do que recorrer à torrefação na origem ou experimentar métodos de transformação, as mudanças estruturais são mais importantes se quisermos garantir que os agricultores recebam preços mais elevados.
A cultura do café da terceira onda tem um foco proeminente na sustentabilidade e transparência na cadeia de fornecimento de café. Isso inclui um interesse crescente dos consumidores em se tornarem mais conscientes de quanto os agricultores são pagos, bem como pressionar por mais equidade financeira.
Para os profissionais de café que conseguem fazê-lo, educar os consumidores em toda a cadeia de fornecimento de café é a maneira mais significativa de apoiar os produtores. No que lhe concerne, os consumidores têm a oportunidade de se tornarem mais informados e conscientes de toda a cadeia de abastecimento – especialmente no que diz respeito à produção.
O marketing é uma parte essencial da indústria do café. E embora pareça que o cenário está preparado para que grande parte dele permaneça com empresas voltadas para o consumidor, também há um potencial crescente para que ele aumente no final da produção da cadeia de suprimentos.
Embora haja uma série de desafios e limitações, as oportunidades para os agricultores comercializarem seus cafés estão se tornando mais acessíveis. Para outras partes interessadas em toda a cadeia de suprimentos, a melhor coisa a fazer é simplesmente fornecer suporte sempre que possível – e representar os agricultores de maneira justa, autêntica e transparente.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre a história do marketing no setor de café.
Créditos das fotos: Lamastus Family Estates
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
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