Cidades do Café: em Piatã (BA), natureza e qualidade fortalecem a comunidade cafeeira
No nordeste brasileiro encontra-se um oásis que contrasta com a imagem típica dessa região, seja o árido sertão ou o belíssimo litoral: a Chapada Diamantina. E é nessa enorme Chapada, repleta de trilhas e cachoeiras, com seus 41.751 km² incrustados no centro geográfico da Bahia, que temos uma das cidades mais altas (1.200 m) e frias (média de 15°C no inverno) da região nordeste: a bucólica Piatã, com seus quase 20.000 moradores.
Situado num platô e protegido por duas serras (Santana e Tromba), esse terroir único propicia o cultivo de um café de excelência, com nuances de capim-limão e rapadura, que não percebemos em nenhuma outra cidade do país. Siga lendo para conhecer um pouco mais sobre essa cidade do café.
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A história de Piatã e sua relação com o café
A colonização da cidade de Piatã remonta a aproximadamente 300 anos atrás, devido ao garimpo do ouro realizado pelos bandeirantes. Atualmente, a atividade cafeeira movimenta a economia municipal, principalmente na época da colheita seletiva manual, realizada por “panhadeiras”.
As principais variedades cultivadas na zona rural do município são catuaí amarelo e vermelho. Porém também é possível encontrar lavouras de mundo novo, arara, catucaí, acauã e pacamara, dentre outros.
No clima frio e seco da região, o café vira passa no pé e não cai, atingindo o seu ápice de doçura. Ou seja, o fruto permanecendo mais tempo no cafeeiro entardece sua maturação, ficando assim mais doce. O microclima, o terroir, a colheita seletiva manual devido à própria dificuldade do relevo e o cuidado dos microprodutores familiares explicam a excelência do café de Piatã.
Prêmios e referência na produção de cafés especiais
Dentre os muitos cafés especiais produzidos em Piatã, destacam-se o Café Gourmet Piatã e o Café Rigno; vencedores de campeonatos nacionais e internacionais como o Cup of Excellence, promovido pela BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais). Ano após ano, é perceptível a presença dos cafés de Piatã figurando entre os dez melhores do país nos mais diversos concursos nacionais como o Florada Premiada, da 3 Corações, e o Coffee of the Year realizado na SIC (Semana Internacional do Café), realizada em Belo Horizonte (MG).
A cidade ganhou protagonismo na cena de café nacional, recebendo inclusive visitantes ilustres, como o Campeão Brasileiro de Torra 2022, Túlio Fernando de Souza, que foi a Piatã realizar parte de seu treinamento para o Campeonato Mundial de Torra, realizado em junho na cidade de Milão, na Itália, além de se aprofundar nos estudos dos cafés da região.
Os cafés de excelência piatãenses são exportados para a Europa, América do Norte, Oceania e Ásia. Além de já ser possível encontrá-los em todo o Brasil, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e obviamente na própria Bahia.
Vale frisar que na cidade temos como destaques a Cafeteria Rigno sempre com ótimas opções feitas pela carismática barista Marlucia Rosa da Silva, conhecida carinhosamente como Lu. Na zona rural temos o Recanto do Café Rigno na Fazenda São Judas Tadeu/Ouro Verde, direto da lavoura à xícara, servindo um café colonial na agradável companhia de Dona Terezinha Rigno.
Voltando à cidade, temos ainda a Cafeteria Moreno Coffee Shop do produtor Rodolfo Moreno, que também possui a Moreno Torradores de Café, sendo esta juntamente com a Torrefação do Café Rigno e do Café Gourmet Piatã, as principais microtorrefações do município. Elas contribuem para a criação de um ecossistema que só cresce em torno do café de qualidade.
Agricultura familiar na essência
Na dedicação diária do cultivo e um dos pilares básicos da cafeicultura local, estão os produtores. Conversamos com cinco deles, num universo de mais de 200 advindos da agricultura familiar no município. Eles têm percepções e opiniões próprias sobre a “lida” na roça de Piatã e o cultivo do produto que apreciamos e enaltecemos: o café especial.
No Sítio Cabaço do Tanque, fica a produção do Café da Lucinéia, de propriedade do casal Lucinéia Oliveira de Castro e Adiélson Magalhães de Castro. Ali são produzidos três cafés de excelência: Gourmet, Mokinha e Peneira 15+.
A homenagem à matriarca deve-se ao que o próprio Adiélson nos disse sobre o papel fundamental de Dona Lucinéia como agricultora familiar. “Ela faz a limpeza das ruas do cafezal, ajuda na adubação dos pés e na colheita, descasca os grãos, ajuda a tirar os verdes no terreiro e mexe o café para secar. Depois de seco, ainda ajuda a colocar no saco”. Ou seja: isso é o que chamamos de uma parceria plena.
Parceria essa que rendeu frutos além do café, como podemos perceber a família reunida no cafezal e aprendendo com os pais o valor dessa relação de carinho.
O Café Aroma da Chapada, cultivado no Sítio Capão de propriedade de Aneiuson Souza e sua esposa, Dona Rosimeire, é daqueles lugares que possuem um encantamento próprio. Toda a estrutura da propriedade foi pensada para a produção do café, sem perder o aconchego que só uma casa na roça é capaz de proporcionar.
As opções premium e gourmet entregam cafés de qualidade, resultado do trabalho de Aneiuson com o apoio familiar incondicional da sua companheira. A agricultura familiar é muito rica em dedicação, cumplicidade e resiliência.
“A cafeicultura para a minha família, além de uma fonte econômica de sustento, também tornou-se uma missão de vida onde encontramos a paz e a felicidade laboral do dia a dia.”
Todo esse propósito chega ao produto final e na busca por sua qualidade, conforme complementa Aneiuson: “Sou a terceira geração na família como cafeicultor. Esse pilar é para mim um apoio de base para a busca de novas técnicas e tecnologias para a cafeicultura”.
Situada ao pé da Serra da Tromba, a uma altitude de 1.300 m, está a Fazenda Divino Espírito Santo, dos produtores Michael e Patrícia Alcântara e das suas três filhas. O local é a síntese do que significa a agricultura familiar: todos os membros estão envolvidos pela atividade cafeeira, seja na lavoura, na colheita, no processamento, beneficiamento, rebeneficiamento, torra, embalagem e comercialização do Café Gourmet Piatã.
No ano de 1998, Michael foi o pioneiro na produção de cafés especiais em Piatã e como o mesmo afirma: “O papel da minha esposa e das minhas filhas Milena, Letícia e Cecília foi fundamental para que continuássemos acreditando no potencial do nosso café”.
Essa persistência e resiliência rendeu frutos para além do cafezal, como o 1° lugar no Concurso da ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café) em 2004, 2006, 2007 e 2018; além do 5° lugar no Cup of Excellence, promovido pela BSCA em 2004.
E isso tudo foi agregando valor aos vários microlotes que a fazenda produz anualmente e que satisfaz os paladares mais exigentes de quem bebe café de qualidade.
Ao ser perguntado sobre como enxerga a cafeicultura em Piatã atualmente e sua perspectiva para daqui a cinco anos, Michael de imediato nos diz: “Enxergo a cafeicultura na cidade vivendo um bom momento em uma crescente promissora. Espero que daqui a cinco anos consigamos dobrar nossa cultura cafeeira”. Palavras ditas por quem vive e respira o café junto à sua família incondicionalmente.
É da Fazenda Riacho da Tapera que vem o delicioso Café Taperinha, dos produtores Téo Jones e Camila Rocha. A hospitalidade do casal é cativante, assim como os produtos oriundos da agricultura familiar como geleias, conservas, pães e biscoitos.
A visão do casal é compartilhada e nos mostra a essência do local. “Somos da agricultura familiar, uma pequena propriedade rural. Trabalhar monocultura é um tiro no pé. O nosso foco foi sempre aproveitar o que produzimos aqui e mostrar aos nossos visitantes um modelo de agronegócio diferente. Produzimos, processamos e negociamos tudo em uma pequena escala.”
Luísa Bittencourt é a atual presidente da COOPIATÃ (Cooperativa de Cafés Especiais e Agropecuária de Piatã), composta atualmente de 55 cooperados. A cooperativa tem no mercado cafeeiro os rótulos Tapuia (Superior), Garimpeiro (Gourmet) e Terroir (Especial).
A expectativa de curto prazo da Cooperativa é realizar uma excelente colheita e enviar os cafés para os concursos, visando manter a tradição de excelência em função do trabalho e dedicação dos produtores.
Já no médio prazo, é o café verde (grão cru) que está em voga com o objetivo de alavancar ainda mais as exportações dos microlotes e capilarizar a comercialização do café torrado no mercado interno.
Impossível não compactuar com as palavras de Luísa impregnadas de cooperativismo, quando a questionamos no foco a longo prazo. “Nosso foco é fazer da marca COOPIATÃ uma referência mundial concomitante à melhoria de vida dos produtores, aumentando a produtividade da lavoura sem jamais perder a excelência da qualidade!”
Piatã é uma cidade encantadora por sua gente, seu clima, suas serras e cachoeiras; mas não esqueçamos que o café é a “menina dos olhos” desse município tão simbólico para aqueles que enxergam a sofisticação na simplicidade das pequenas coisas da vida.
Créditos: Augusto Carvalho (panorâmica do município de Piatã e imagem urbana); Guto Oliveira (Túlio Fernando de Souza na Coopiatã); Café da Lucinéia (galho do café vermelho e família reunida no cafezal); Café Aroma da Chapada (família reunida e galho do café amarelo); Acervo Café Gourmet Piatã (aérea da propriedade e família Alcântara no terreiro suspenso); Café Taperinha (pés de café e família); COOPIATÃ (cafezal).
PDG Brasil
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