Torrefadores: como a educação pode ajudar a minimizar o impacto da Covid-19
A Covid-19 mudou o mundo do trabalho para todos. Para muitos, no mundo todo, a introdução de confinamento social, de medidas de afastamento físico e a perturbação econômica dificultaram as coisas, para dizer o mínimo.
Isso também aconteceu com as pessoas envolvidas no setor cafeeiro, incluindo os torrefadores de café. Os fechamentos de cafeterias e a desaceleração econômica em geral dos comércios de hospitalidade e lazer viram pedidos atacados de café torrado serem trocados pelas vendas diretas ao consumidor e pelas assinaturas.
Esta interrupção fez muitos torrefadores pararem para refletir sobre a carreira e a se adaptarem ao que tem sido um conjunto de desafios sem precedentes. Ao longo destes desafios, o investimento na educação e nas competências gerais dá aos torrefadores a preparação de que necessitam para regressarem ao setor de café mais forte do que nunca.
Para saber mais sobre como os torrefadores de todos os níveis de experiência estão aproveitando a oportunidade de melhorar e investir em educação, falei com Nathan Dodge, Ildi Revi e Rob Hoos.
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DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS PARA QUALQUER NÍVEL DE TORREFAÇÃO
Os torrefadores de todos os níveis se beneficiam com o aperfeiçoamento e o desenvolvimento das suas competências. Entretanto, as razões para cada um se desenvolver são diferentes, dependendo de onde estão em suas carreiras.
Para os baristas que estão ansiosos para começar uma carreira na torrefação, investir na sua própria educação e desenvolver suas habilidades pode ajudar a garantir uma vaga como torrefador. Rob Hoos é um consultor de torrefação de café. Ele diz que há uma grande tendência de baristas que começam a trabalhar em cafeterias-torrefadoras e querem entrar para a equipe de torra.
“O problema é que a fila de pessoas que querem [passar para o lado da torrefação na empresa] é normalmente bem longa”, explica Rob. “E é improvável que você vá a uma empresa grande de torrefação ou em uma empresa que tenha uma [boa] equipe e caia direto na equipe de torra.”
Rob sugere que os candidatos às vagas de torrefador comecem a investir em qualificação. Ele diz que isso vai ajudá-los a convencer seu novo empregador a movê-los para uma vaga de torrefador mais rapidamente.
Também é importante considerar que um conjunto de habilidades mais amplo ou mais diversificado oferece às empresas de torrefação maior flexibilidade. A educação lhes dá a oportunidade de colocar as pessoas em posições novas ou de se concentrarem em outras áreas da empresa e de apoiarem a equipe de outras formas. Isto se torna bastante relevante em uma época em que muitas coisas mudaram para torrefações comerciais de todos os tamanhos.
Ildi Revi é Diretora de Aprendizado na importadora de café verde norte americana Ally Coffee. Ela diz que fazer um treinamento não é apenas uma maneira de aprimorar suas habilidades, mas também ajuda os torrefadores a se tornarem mais eficientes e a evitarem o desperdício.
Ela diz: “Quando se compra um café novo, quantos lotes de grãos se usa para definir um perfil de torra? Você sabe o que analisar sobre o grão antes de começar a torrar para informar sua abordagem de como torrar aquele grão em especial? Quando investimos em formação, os torrefadores se tornam melhor equipados para que trabalhem de forma eficiente e eficaz.”
A educação e o desenvolvimento das competências também beneficiam as pessoas que querem aprender mais sobre a torrefação como uma arte ou um hobby durante em uma época que passam mais tempo em casa do que nunca.
Nathan Dodge é graduado em química e um ávido torrefador caseiro. Há anos ele torra café em casa. Ele diz que tem “um conhecimento bastante amplo sobre vários grãos verdes, variedades diferentes e seus perfis químicos”.
No entanto, embora os torrefadores domésticos como Nathan possam compreender a ciência por trás da torrefação e saber de onde provém o café, sentem que precisam de mais conhecimento sobre a “arte da torrefação”.
Assim, eles podem querer desenvolver suas habilidades de torra para se aproximar dos perfis de sabor e da complexidade com os quais se identificaram durante a sua jornada de café especial.
EM QUAIS COMPETÊNCIAS OS TORREFADORES DEVEM CONCENTRAR SEU DESENVOLVIMENTO?
O objetivo principal para todo o torrefador é realçar os sabores certos de um lote de café verde. Para isso, eles devem entender cada variável com a qual estão trabalhando e como ela afeta o sabor.
Rob e Ildi concordam que não é uma habilidade específica de torrefação que a maioria dos torrefadores precisa, mas sim uma mentalidade.
Rob diz: “Uma das coisas de que os torrefadores realmente precisam é a capacidade de pensar criticamente. Eles precisam ser capazes de parar e se perguntar sobre o que eles fizeram, e como aquilo influenciou a torra. Limitar variáveis [e controlar o processo]. Tratá-lo um pouco como uma metodologia científica.”
Para os torrefadores mais novos que procuram desenvolver esta mentalidade, Rob diz: “Nada substitui o tempo que se gasta praticando. Tem de pôr as mãos no café e torrar grãos.” Ele observa que a torrefação caseira é uma prática perfeita para torrefadores que estão começando.
“Em uma torrefação caseira, você pode usar torradores pequenos. Isto significa que vai utilizar menos grãos e assim, os seus testes saem muito mais barato.”
Ildi diz que, juntamente com o pensamento crítico, o foco e a concentração também são importantes. “Você precisa disciplinar sua mente para prestar atenção em tudo que acontece [na torra] e não se distrair”, diz ela.
“Isto inclui distrações pessoais, mas também o que se passa no torrador ou na empresa. Quando for torrefador, e estiver trabalhando com um café, você precisa se concentrar no que está acontecendo ali e no que acontecerá depois.”
Para torrefadores mais experientes, Ildi diz que é importante estar atento a novas áreas de foco e áreas que estão emergindo. Para ela, um exemplo é a segurança alimentar. Ela diz que no mundo de hoje, isso é “tão vital como torrar café”.
Finalmente, Ildi acrescenta que a pandemia apresenta uma excelente oportunidade para refletir sobre o papel da torrefação de café em toda a cadeia de suprimento.
“Sinto que esta é uma grande oportunidade de parar e reanalisar a educação sobre café sob vários pontos de vista”, diz ela. Por exemplo, Ildi aponta para poste sobre o mapa de Sistemas de Café SCA, que diz “pode ser uma ferramenta para analisar, planejar e tomar medidas para os meses seguintes”.
COMO OS TORREFADORES PODEM SE DESENVOLVER?
Assim, uma vez que os torrefadores queiram investir em sua educação, por onde devem começar?
Rob observa que apesar de “o Google Scholar ter muitos artigos publicados sobre café”, o problema é que, para acessar muitos deles, é necessário pagar.
Ildi acrescenta que, mesmo que se encontre informações sobre torrefação online, até que a leitura seja compreensível e faça sentido, pode levar algum tempo. Ela diz que quando criou o manual para O Curso Essencial de Torrefação de Café no Ally Open, ela “juntou tudo em um só lugar”.
“Muitas vezes, os recém-chegados à indústria procuram na Internet informações sobre, por exemplo, o que realmente acontece no torrador. Eles encontram centenas de artigos com muitas informações diferentes que eles têm que organizar sozinhos”, explica.
“Nossos cursos têm todas as informações [juntas] … e cada ponto [geralmente] tem uma citação que menciona pelo menos um, se não dois ou três, artigos de revista ou livros editados sobre torrefação de café, revisados por colegas .”
Além disso, é importante notar que os recursos que focam na “essência” ou “fundamentos” da torrefação não são exclusivamente para iniciantes. Muitos deles, como O Curso Essencial de Torrefação de Café, também funcionam bem como cartilhas ou cursos de “atualização” para torrefadores mais experientes praticarem, revisitarem ou refinarem certas habilidades.
Ildi também nota a importância de adaptar e personalizar materiais educativos sempre que possível. Os torrefadores não devem adotar uma abordagem única no desenvolvimento de competências.
“Os programas personalizados devem se concentrar muito mais nos alunos individualmente e nas suas necessidades”, explica. “Os instrutores devem fazer muitas perguntas, analisar o trabalho, o local de trabalho e seu desempenho em conjunto com os resultados desejados para o programa [em questão].
“[Além disso], o aprendizado deve ser direcionado para preencher a lacuna de conhecimento e/ou desempenho que mais impactará os resultados.”
Embora os eventos comunitários sejam sempre uma boa forma de conhecer outros profissionais e expandir o seu conjunto de habilidades, muitos eventos populares como Campeonatos de Torra de Café [Coffee Roasting Championships] ou Encontros da Associação da Classe de Torrefadores [Roasters Guild], no momento, não estão acontecendo, em muitos lugares.
Os eventos virtuais e os webinars se tornaram, recentemente, a maneira mais robusta e acessível para interagir com outros profissionais e peritos sobre tópicos específicos.
Cada vez mais populares durante Covid-19, estes eventos virtuais tornaram as conversas sobre a torrefação consideravelmente mais acessíveis. Como exemplos, nos últimos meses, aconteceram eventos como Encontro Sensorial Online [Online Sensory Summit], organizado pela Associação da Classe de Torrefadores e a série Cropster x Ally Roasting Origins.
A CONTÍNUA JORNADA DE APRENDIZAGEM
Rob diz que continua estudando e aprendendo como torrefador, apesar de décadas de experiência em torrefação e ensino. “Como a maioria das coisas na vida, imaginar que [já se tem o domínio], significa fechar a mente para coisas novas”, afirma. “Ainda há coisas que eu aprendi que influenciam a maneira como eu escolho torrar meus próprios cafés e a maneira como ensino os outros.”
Para Nathan, o passo seguinte, após assistir um curso do Ally Open on-line, foi comprar um torrador caseiro e começar a praticar. “Quero aumentar a minha habilidade em torrefação e aplicar os meus conhecimentos e conceitos científicos para tentar fazer algo único”, conta.
Ele acredita que, ser capaz de aliar este recém-encontrado conhecimento sobre torrefação ao seu diploma em química, é uma oportunidade única. “Eu quero criar uma compilação de vários parâmetros de torrefação aplicados a vários cafés de várias origens”, diz. “Seria um guia rápido para torrefações com um conjunto de parâmetros bem científico e específico.”
Finalmente, Ildi observa que o desenvolvimento profissional não só beneficia uma pessoa. Ela salienta que aumentar as suas habilidades e aprender novas competências acrescenta um valor enorme à equipe de forma mais ampla. “Nos esportes, por exemplo, quando vemos que uma equipe ganha um jogador excepcional, de repente o time todo sobe de nível”, explica.
A pandemia mudou muita coisa para os torrefadores; a interrupção veio de todas as formas, afetou toda a cadeia global de fornecimento de café. Apesar disso, também forneceu aos profissionais do café ao redor do mundo oportunidades de aprender e de se adaptar (embora às vezes seja por necessidade) para prosperar nesses tempos imprevisíveis.
O desenvolvimento de competências – seja através de tempo de prática em casa ou de oportunidades de estudo – ajuda os torrefadores a crescer, se adaptar e, até mesmo, ser mais flexíveis. Fazendo isso, os torrefadores podem abrir portas que não seriam consideradas em outro contexto – independentemente do seu nível de experiência.
Traduzido por Daniela Andrade
Crédito das imagens: Ally Coffee
PDG Brasil
Nota: Ally Coffee é uma patrocinadora do Perfect Daily Grind
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