A regra do leite vegetal e o futuro do Campeonato Mundial de Baristas
Em 22 de dezembro de 2022, a Associação de Cafés Especiais (SCA) publicou o regulamento do Campeonato Mundial de Baristas (WBC) de 2023, que aconteceu há pouco em Atenas (Grécia).
Como parte das atualizações nas regras do torneio, a SCA anunciou que “o curso de bebidas lácteas agora pode ser preparado usando leites à base de plantas ou de outros animais”. A organização afirma que isso marca a maior mudança na competição desde antes da pandemia, abrindo novas possibilidades de serviço para os concorrentes.
Não há dúvida esse anúncio seja importante para o futuro da competição. E é justo dizer que o impulso para a inclusão de leites vegetais no WBC vem crescendo há algum tempo dentro da comunidade de cafés especiais. Mas como essa regra pode influenciar os próximos passos da competição?
Você também pode gostar do nosso artigo sobre por que os leites vegetais devem ser permitidos no WBC.
Por que a SCA instituiu a regra do leite vegetal?
Antes da nova regra sobre o uso de leites vegetais, o regulamentos oficial do WBC afirmava que uma bebida láctea a combinação de 1 dose única de café espresso e leite de vaca vaporizado. Isso significava que baristas que quisessem usar outros tipos de leite arriscavam receber nota zero nesse quesito.
Leite de aveia nos campeonatos nacionais de baristas
No entanto, isso não impediu que um pequeno número de concorrentes questionasse abertamente a regra:
- Em 2019, Cristian Tellez usou leite de aveia Minor Figures durante sua rotina no Campeonato Canadense de Baristas – efetivamente desqualificando-o da competição;
- O competidor do Campeonato Alemão de Baristas de 2023, Mikolaj Pociecha, também usou leite de aveia em seu curso de bebidas lácteas na competição.
Josh Tarlo é o Gerente de Desenvolvimento de Mercado da Oatly Barista no Reino Unido. Ele também é o fundador da Headstand. Ele diz que começou a trabalhar como barista há mais de 20 e já participou de competições dentro e fora do Reino Unido. “Naquela época, quase ninguém bebia leites vegetais, mas agora eu vi tantos baristas que desistiram de competir porque não consumiam leite de vaca”.
Mikolaj chegou a afirmar que a regra do leite de vaca da WBC vai contra a Lei Geral Alemã sobre Igualdade de Tratamento. No mês seguinte, sua empresa Suedhang Kaffee, publicou uma declaração aberta feita à SCA Alemanha. Da mesma forma, em setembro de 2022, a Oatly preparou uma carta aberta à SCA pedindo a revogação da regra do leite de vaca no WBC.
A SCA ou a SCA Germany não responderam publicamente a estas cartas. E mesmo apesar disso, a nova regra relativa à utilização de leites vegetais é uma indicação clara de que eles prestaram atenção a estas exigências.
O boom na popularidade dos leites vegetais
No entanto, além dessas cartas, ficou claro por algum tempo que os leites vegetais são excepcionalmente populares em cafeterias – particularmente o leite de aveia.
“Muitas das cafeterias com as quais trabalho estão servindo mais lattes de aveia e flat whites de aveia do que leite de vaca”, diz Josh. “Nelas, mais de 80% das bebidas à base de leite já são feitas com leite de aveia, sendo importante que as competições também reflitam isso.”
Recentemente, os principais players em cafés especiais, como Stumptown, Blue Bottle e Onyx Coffee Lab, passaram a usar leite de aveia como padrão. Esses esforços foram feitos não apenas em resposta à crescente popularidade do leite de aveia, mas também para diminuir seu impacto ambiental. “Não há futuro para o café em um mundo em crise climática grave. E sabemos que nosso sistema alimentar precisa mudar para impedir que isso aconteça”, diz Josh. “Para competições, como a WBC, permitir o uso de leites vegetais, significa fazer parte da mudança que precisa acontecer.”
A resposta da SCA
Amy Ball é a Diretora de Eventos da SCA. Ela explica que a SCA planejava atualizar as regras das bebidas lácteas para incluir leites vegetais em 2021, mas a pandemia os forçou a adiar o planejamento.
“A regra de incluir leites vegetais (e outros) faz parte de um objetivo maior de abraçar a diversidade e dar ao barista mais flexibilidade para destacar o café da maneira que eles escolherem”, diz.
“A mudança não foi feita para criar um resultado específico, e pode levar algum tempo até vermos o impacto total. Mas o comitê está animado para ver como as competições vão evoluir a partir daqui.”
Efetivamente, o WBC agora reflete mais os valores e práticas do setor de cafés especiais, em geral. Isso poderia potencialmente ser uma maneira de abordar indiretamente as críticas recentes sobre o WBC em termos de exclusividade e elitismo.
Embora haja sempre mais espaço para melhorias, a indústria de cafés especiais se orgulha da inclusão e diversidade – e a popularidade dos leites vegetais é, sem dúvida, uma grande parte disso.
Como a regra do leite vegetal pode influenciar no futuro da competição?
Alguns profissionais do café expressaram entusiasmo com a mudança de regra, enquanto outros são mais críticos por vários motivos. No entanto, opiniões à parte, como a introdução desta nova regra mudará a concorrência? Em primeiro lugar, a regra do leite vegetal exigirá que os juízes sensoriais do WBC sejam ainda mais calibrados.
A nova regra significa que os concorrentes podem usar qualquer tipo de leite vegetal disponível comercialmente, incluindo aveia, soja, amêndoa, coco ou até mesmo misturas de leite vegetal. Cada tipo tem seu próprio impacto exclusivo no sabor e na textura das bebidas, portanto, avaliar e pontuar as bebidas do curso do leite pode se tornar mais complicado.
Em segundo lugar, temos de questionar se a regra do leite vegetal realmente cria condições mais equitativas. Sem dúvida, é importante que os concorrentes que querem ou têm que usar leites vegetais (seja por razões éticas ou de saúde) tenham a chance de participar do WBC.
Embora permitir o uso de leites vegetais certamente promova essa causa, esses concorrentes também podem estar em desvantagem. Em termos de espumabilidade e estabilidade, cada tipo de leite vegetal tem um desempenho diferente – com alguns produzindo melhores resultados do que outros.
Também é justo dizer que, de todos os tipos de leite, o leite de vaca integral normalmente vaporiza e derrama o melhor. Além disso, o leite de vaca é muito mais rico e cremoso do que os leites vegetais – embora o leite de aveia tenda a replicar melhor essas características. Isso nos leva a questionar se os concorrentes que usam leite de vaca acabarão pontuando mais alto no curso de bebidas lácteas.
Uma plataforma para a inovação
Questionar a nova regra do leite vegetal é natural, mas também é importante notar que o WBC tem sido uma plataforma global para a inovação de bebidas em cafés especiais. Embora a regra do leite de vaca estivesse em vigor há anos, muitos concorrentes experimentaram criar diferentes texturas e sabores de leite, mesmo com essa restrição.
Em sua performance vencedora em 2022, o competidor australiano Anthony Douglas usou leite liofilizado, o que aumentou significativamente a doçura e a cremosidade de seu leite. Então, se os juízes sensoriais foram capazes de pontuar razoavelmente essas bebidas, por que não poderiam fazer o mesmo com os leites vegetais?
O Campeonato Mundial de Baristas de 2023 aconteceu entre 22 a 24 de junho em Atenas, na Grécia.
Embora ainda não saibamos como a nova regra mudará a concorrência a longo prazo, parece inevitável que mais e mais concorrentes mudem para leites vegetais nos próximos anos.
Gostou? Então leia nosso artigo sobre leites vegetais e café: o que o futuro reserva?
Créditos das fotos: World Coffee Events
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
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