O novo momento do café espresso
O café espresso é a estrela maior do menu de bebidas cafeinadas em todo o mundo. Não só por ser a base de muitas delas – Cappuccino, Latte, Mocchachino…, mas principalmente pelo histórico de produção do maquinário e do consumo da bebida. O café contemporâneo degustado, independentemente do método, atingiu o status de paixão e consumo globalizado graças à explosão e difusão desse estilo de extração inventado, e aperfeiçoado, pelos italianos.
São mais de 60 anos do lançamento da máquina de espresso que produz a bebida encorpada e com crema, referência até hoje.
Mas, com o advento de inúmeras inovações em maquinário, e ofertas amplas de cafés com perfis diferentes, e portanto das variáveis incluídas no processo da fórmula-base de extração, o que configura um café espresso nos dias de hoje?
O PDG Brasil conversou com dez especialistas do Brasil e do mundo, de segmentos variados, para entender se a evolução do espresso também se estende à atualização da receita, parâmetros e conceitos.
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A história
No século 20, pela década de 30, o espresso se popularizou graças ao advento das tecnologias que permitiram a produção em escala do maquinário. A corrida tecnológica quanto às inovações que se deram depois da invenção do primeiro protótipo da máquina de espresso, em 1903, muito moldou a formação final da bebida.
A máquina de espresso como conhecemos hoje foi resultado da introdução da válvula de alívio de pressão e vaporizador, sistema estabilizado, e industrializado em grande escala, a partir da década de 1960.
A extração passou então a ser mais controlada pelos baristas, os resultados passaram a ser consistentes e o líquido derivado tornou-se mais cremoso, além de, como subproduto, a “nova” máquina gerar uma espuma aromática na superfície. Essa é a base do café espresso que bebemos até hoje.
O espresso, de acordo com diretrizes gerais aceitas pela indústria, é a bebida encorpada e coberta por uma espuma mais clara que a cor do líquido preto extraída por meio do contato entre o café, água e vapor, preparada em máquinas que funcionam a 9 atmosferas de pressão e água à temperatura de cerca de 90,5 a 96,1°C (não fervente), média de 7 gramas de café moído fino, com o padrão de 30 ml de bebida (shot).
Panorama técnico: a evolução da extração
Atualmente, a gama de estágios de extração, e portanto, dos indicadores e variáveis de qualidade, é ampla por conta de inovações e incorporações de acessórios realizadas ao longo dos tempos.
Foram incorporadas as etapas de pré-compressão e compactação, pré-infusão, depuração e auto-limpeza mais apurada de resíduos, moinhos com capacidade de atingir com facilidade gamas diversas de granulometrias (também pré-programadas), regulação fácil de temperatura da água, customização de distribuidores…a lista é grande e constantemente em crescimento.
Hoje, o resultado final da bebida café espresso é amplo e segue critérios do artista- especialista atrás do balcão, cujos parâmetros de qualidade de bebida e de extração são individuais (no mercado de cafeterias de especialidade).
Projeta-se na indústria que funções completamente automatizadas serão o padrão até 2030, o que altera o papel do barista, que de “extrator” se tornaria um “alquimista” do café: condutor de variáveis, parâmetros, experimentos, proporções e seleção mais inclusiva de matéria-prima – de acordo com processos, fermentações com outras substâncias, e uma gama maior de espécies e variedades (robusta de especialidade, além das espécies típica, libérica, excelsa…).
O barista atual pode estudar e conceber tais variações graças ao auxílio da automatização moderna, que provém um número maior de extrações com maior rapidez.
O que é um espresso nos dias de hoje?
O PDG Brasil perguntou aos entrevistados qual seria, segundo eles, o conceito de café espresso nos dias de hoje, e se cabe nesse cenário, global e regionalmente, uma revisão e atualização de paradigmas.
Elisa Urdich, dona da cafeteria Taste em Treviso, na Itália, campeã italiana Brewers Cup em 2020
“Na Itália o espresso é sempre visto como a melhor extração para tomar café porque estamos acostumados com a tradição, estamos presos a isso, mas no mundo do café especial a receita praticada entre os experts daqui levam sete gramas de café. Em regras gerais, o apego amoroso da receita illy é a norma, mas no mundo do especial na Itália tudo é revisto e há muita experimentação e inovação.”
Matheus Tinoco, professor de torra, 3º colocado no Cup Tasters nacional em 2020, sócio do espaço e escola de café Doca Complexo Cafeeiro e criador do evento InterTorra, na Alta Mogiana (SP).
“O café é regional e sempre terá características locais. O acesso à matéria-prima, o maquinário, a habilidade técnica e até mesmo a acessibilidade financeira do público influenciam muito no resultado final. Ao comparar proporções quanto a um espresso longo/brasileiro com torra escura com um espresso padrão, utilizando torra média ou clara, mesmo com o dobro da proporção, as características de intensidade de sabor, corpo, acidez, persistência no paladar e etc. não são proporcionais.”
Davide Cobelli, campeão italiano de torra em 2020, treinador e juiz do World Barista Championship, Verona, na Itália.
“Na Itália as pessoas são viciadas em sabores rançosos e mofados, que reconhecem como um sabor de café. O consumidor aceita o extremo amargo porque adiciona açúcar mas tem dificuldade em aceitar uma dose mínima de acidez que é sinônimo de uma torra correta e de qualidade. Trata-se de reeducar o paladar de milhões de pessoas, o que certamente é um caminho difícil e longo, depois de décadas de ‘escuridão sensorial’, perpetuado artisticamente pela indústria que precisava vender como bom, um produto medíocre, senão ruim.”
Juliano Tarabal, superintendente da Federação de Cafeicultores do Cerrado, Patrocínio (MG).
“Uma revisão contínua dos parâmetros de espresso, visando o refinamento e ampliação de oferta em termos de qualidade de bebida como também de experiência para os consumidores, demanda uma maior presença dos cafés acima de 85 pontos, com nuances mais refinadas. A indústria deve absorver e compreender essa evolução e adequar e inovar em suas ofertas incluindo estes cafés.”
Eduardo Santos, barista chefe da rede de cafeterias Café Santiago e mestre de Torra, Patos de Minas (MG).
“Espresso, pra mim é a bebida mais difícil de se preparar (..) em um contexto geral, se pararmos para analisar, cafés de especialidade são servidos praticamente crus enquanto a indústria em geral oferta grãos mais torrados que o necessário. Acredito que o primeiro passo seja ajustar a qualidade da torra do café, para em seguida ajustar os padrões e variáveis da parte operacional de extração da cafeteria. Baristas de espresso, hoje, devem dominar muito mais conhecimento.”
Simone Amenini, coordenador da academia Ditta Artigianale, rede de cafeterias de especialidade em Florença, na Itália.
“Infelizmente, não existe um conceito unitário sobre a ideia de espresso, sem parâmetros precisos. É uma pena que essa concepção errônea e pouco ampla impeça a exploração de novas extrações, novas torras, novas técnicas de preparo ou inovações na rotina de trabalho. Na Itália, onde para cada grama de pó usado, conseguimos extrair uma bebida que pesa três vezes mais, longe da proporção 1:2 que permite o equilíbrio perfeito entre sabor e corpo. A realidade francesa é ainda mais deficiente, considerando que a bebida extraída é muitas vezes muito fraca e aguada, portanto tendendo a um sabor vagamente ácido e bastante adstringente. Em um mundo ideal, gostaria que a indústria pudesse promover um decálogo de extração de café espresso de acordo com os limites mais rigorosos e não modificado pelo gosto pessoal ou pela tradição de cada local.”
Emerson Nascimento, dono do Coffee Five, campeão brasileiro de Coffee in Good Spirits 2017 e 2020, Rio de Janeiro (RJ).
“Hoje em dia pra mim o que dita o que é um espresso é um café equilibrado entre acidez, doçura e amargor e uma boa textura, uma boa finalização e saboroso. Creio que o caminho é o equilíbrio dos sabores e da qualidade final da bebida.”
Gabriel Guimarães, consultor e treinador, YouTuber, e campeão brasileiro de Coffee in Good Spirits 2019, de São Lourenço (MG).
“Para o consumidor final o café espresso é um café muito forte e amargo, ótimo para despertar, porém a máquina de espresso é na realidade um potencializador de sabor. Para alavancar a qualidade e gerar uma nova percepção do espresso em geral e para os consumidores, o mercado deve focar em cafés mais encorpados e doces, com amargura aceitável.”
Assim como a tecnologia dos maquinários de café espresso, os gostos e as percepções dos consumidores de café também evoluem. Há grãos de variedades diversas, com inúmeras características, e junto com a capacidade técnica de extração mais abrangente, o conceito e associação do que seria um café espresso, tanto para a indústria quanto para o público, deve estar em movimento para acompanhar o momento presente.
Créditos: Pixabay, Unsplash
PDG Brasil
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