Espresso 3.0: a evolução dos tampers e acessórios
Desde o lançamento do primeiro protótipo da máquina de espresso, no século 19, a tecnologia do maquinário que a compõe segue em evolução. Atualmente, o mercado deste segmento oferece opções de modelos cujo funcionamento é quase automatizado por completo. Tal realidade, no entanto, não é uma ameaça ao papel essencial do barista. As inovações na engenharia de maquinário permitem que esses profissionais se voltem para o estudo e exploração de uma gama maior de variáveis quanto à extração.
Tampers e distribuidores são acessórios que complementam a performance do barista, e considerados peças essenciais neste atual momento do segmento, que aposta na customização de fórmulas para alcançar o maior potencial de qualidade da bebida final.
Este artigo original do PDG Brasil explora o universo e as inovações dos tampers e distribuidores como acessórios fundamentais das máquinas de espresso.
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Acessórios e qualidade do espresso
A qualidade final de uma xícara de espresso depende de vários fatores, e isso inclui o trabalho conjunto de produtores, torradores e baristas quanto à exploração de processos ideais para cada perfil de grão. A regulagem ideal pelas mãos do barista é parte determinante no ciclo de extração, ao lado da tecnologia de automação que controla as funções da caldeira, fluxo de água, temperatura e mais.
A evolução dos tampers e niveladores se deu quando o mercado passou a compreender a importância dessas funções no café em relação à qualidade final da bebida. Isso se deu no início dos anos 2000, quando os acessórios com esse propósito começaram a ganhar popularidade. Atualmente, os tampers e niveladores são pŕoduzidos em grande variedade de modelos, e a compactação e nivelação de diversos perfis de moagem e extração pode ser praticamente customizada pelo barista.
O advento dos acessórios no dia-a-dia dos baristas se revelou uma transformação nesse mercado, por contornar as questões derivadas do tempo e velocidade dos jatos de água em contato com o pó. Pouca compressão equivale à sub-extração, e quanto mais “resistência” o pó confere ao contato com o jato de água, melhor será a qualidade final da bebida.
“A compactação é relevante principalmente para a resistência que as partículas do café irão proporcionar para a água. Já a nivelação é importante principalmente para que consigamos deixar que todo espaço do porta-filtro, com um grau similar de resistência, otimize a canalização da passagem de água mais rápida, nas regiões com menos compactação ou desniveladas”, explica Boram Um, barista campeão brasileiro de 2020, e barista chefe do Espresso bar da Um Coffee Co.
“Tudo o que puder ser feito para valorizar o sabor do café deve ser feito, e o objetivo dos acessórios é conseguir uma extração sem canalização”, acredita Gilberto Santos, da Bravo, uma das marcas pioneiras da fabricação de acessórios do tipo no Brasil.
Quanto a inovações, Boram acredita que os distribuidores e tampers top de linha estão cada vez mais incorporados no dia-a-dia de baristas cujo foco é a metodologia da terceira onda, por serem ferramentas que aumentam agilidade e consistência operacional.
A função dos tampers
Um tamper comum era inicialmente composto por duas peças, o punho e a base. Com o passar do tempo, surgiram os tampers dinamométricos, com os quais o barista passou a poder padronizar a pressão e a força de compactação.
Na visão de Gilberto, a grande vantagem dessas funcionalidades é eliminar a compactação irregular, e imprimir sempre a mesma força. “A variável de força atualmente aplicada no uso de um tamper é na faixa de 13 kg, mas com 6 kg de força se produz também uma ótima extração, desde que a torra não seja muito clara”, explica.
Gilberto diz que, para ele, em um “tamper completo” é também dinamométrico. A base alinhadora atua desde o início da compactação, fazendo com que a compactação seja plana desde o início. “A compactação irregular faz com que o bolo seja mais fino de um dos lados, para o qual o trajeto da água se direciona”, diz ele.
Gilberto aponta como exemplos desse perfil de tampers o produzido pela Bravo, o da marca australiana Eazytamp, o da marca austríaca Hauck, e o da marca chinesa The ForceTamper.
As linhas de tampers com base alinhadora e controle de força têm a função de guiar o eixo e promover assim uma compactação plana e com força fixa. Gilberto explica que em alguns modelos há a possibilidade de substituir a mola ou regulá-los internamente. “Dessa forma, eliminamos duas variáveis, que são a compactação ‘torta’, e padronizar a força de compactação”, diz ele.
A função dos distribuidores
O propósito dos distribuidores é substituir a parte manual da operação de organizar o pó no filtro, “e não só de maneira superficial, mas sim por todo o filtro, o que prepara o pó para a compactação”, diz Gilberto. A adoção desses tipos de inovação em acessórios, por via de regra, começam no mercado de baristas mais avançados, para só algum tempo depois serem incorporados pelas cafeterias, ele explica.
Independentemente da marca e do modelo, Gilberto diz que todos são funcionais, “desde que bem regulados”. Para isso, ele conta que é necessário ajustar a profundidade da base da maneira certa. “A profundidade ajustável do mecanismo tem precisão milimétrica, e pode ser usada para compactar a base do porta-filtro enquanto se gira as lâminas. Em outras palavras, uma adulteração desejada deve ajudar a compactar seu café com eficácia”, explica.
Boram diz que baristas também já utilizam a agulha (needle) distributiva como acessório. Trata-se de um conjunto de agulhas que quebram as formações de ‘pelotas’, ou conjuntos de grãos que se amontoam devido à estática do moinho. “No lugar da agulha, eu prefiro usar o blind shaker da Weber Workshops”, diz ele.
O blind shaker é uma ferramenta de distribuição que lembra um copo de metal com tampa e um fundo falso. O barista dispõe o café no copo, chacoalha, encaixa sobre o porta-filtro e tira a tampa e o fundo falso, de forma que o café é disposto sem grumos no porta-filtro.
Desmistificando a batida
A eficácia das batidas quanto à nivelação do pó é um tema um tanto polêmico. Há correntes que a defendem, e há baristas que acreditam que as batidas são desnecessárias quando os acessórios de compressão e nivelação são usados da forma correta.
Para Boram, a funcionalidade das batidas não pode ser descartada completamente, pois trata-se de um método interessante para garantir um assentamento mais homogêneo das menores partículas de café, “que assim se encaixam em espaços abertos”, diz ele. Para que as batidas se tornem um método consistente, no entanto, ele acredita que deve haver muita prática do barista.
Gilberto concorda: “Mais do que a força em si, aplicar sempre a mesma força é o ponto chave, pois, dependendo da força da batida, a extração será mais ou menos rápida, então é importante fixar essa variável”.
O pareamento dos acessórios com o porta-filtro
Para que a funcionalidade dos acessórios seja eficaz, é importante compreender as particularidades de cada porta-filtro, e assim atrelar a compactação e distribuição com tipos ideais de tampers e compactadores. Dessa forma, quando os distribuidores são apoiados na borda do filtro, independentemente de o porta-filtro ser plano ou inclinado, o resultado será sempre o mesmo.
Boram acredita que porta-filtros com ângulo reto são, em regra, mais eficazes e consistentes, e proporcionam uma compactação reta e distribuição uniforme. Segundo ele, o fator diferencial é o índice de “furos” dos baskets. Para contornar essa questão, os baskets podem ser substituídos por outros modelos que garantem maior precisão, como os da marca VST, usados pelos baristas na competição World Barista Championship.
Os baskets de alta precisão aumentam a capacidade de controle de granulação e aprimoram a regulagem customizada para diferentes proporções de espresso (ristretto, lungo).
Em muitos porta-filtros, o ângulo da cesta é diferente do ângulo da alça, então o barista quando segura a alça do porta-filtro está na verdade segurando a cesta em um certo ângulo. “Portanto, quando se bate o porta-filtro para baixo, não se cria a força necessária”, diz Gilberto. Ele sugere ao barista que se certifique de a cesta esteja perfeitamente plana, com movimento descendente correto. “Não precisa ser um golpe super forte no banco, apenas firme o suficiente para mover o café para baixo”, explica.
Técnicas de otimização de uso dos acessórios
De acordo com Boram e Gilberto, é essencial aplicar técnicas de regulagem que testem a consistência e otimização da extração. Para entender se o resultado não-desejado da extração tem a ver com a distribuição ou com a compactação, Boram aconselha a sempre analisar a consistência do peso final da bebida e o tempo de extração, e também provar a bebida final.
Para ambos, a melhor maneira de se certificar que uso dos acessórios está correto, assim como se a moagem do café é a adequada, é conduzir a extração primeiramente em um porta-filtro naked, “pois assim é bem visível checar a canalização, que é o que deve ser evitado”, diz ele. Boram acredita que análises visuais e sensoriais também podem auxiliar nesse aspecto. “Geralmente, extrações com problemas de compactação geram xícaras pouco equilibradas, com inconsistências de amargor, adstringência e acidez, tudo ao mesmo tempo”, explica.
“É surpreendentemente difícil, mas crucialmente importante, garantir que o café no porta-filtro seja distribuído uniformemente”, diz Gilberto.
De fato, o valor dos acessórios de alta precisão são mais altos. Mas, para as cafeterias do nicho de cafés de especialidade, o investimento total se prova justificado. Isso garante um aproveitamento máximo dos diferentes perfis de grãos, valoriza o trabalho dos produtores e torrefadores, contribui com a eficiência e a consistência do trabalho dos baristas e, o mais importante, gera bebidas finais de altíssima qualidade.
Créditos: Duncan Ferguson (barista compactando); Divulgação World Barista Championship (Boram em apresentação no Mundial); Tatiana Vasconcelos (tamper The Force, variedade de bases de distribuidores); Boram Um (set up para espresso apresentado no Mundial); Divulgação Bravo Acessórios (produção em série de distribuidores, trio de acessórios, base do distribuidor).
PDG Brasil
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