Coador de pano: o queridinho do Brasil
O coador de pano tem um lado de tradição e memória afetiva muito forte na cultura popular brasileira. Faz parte da construção, dos aromas mais afetuosos da infância de muita gente, então não tem como não esbarrar nessa questão em algum momento.
Considerando os tempos onde a sustentabilidade engrossa o corpo e a voz nas escolhas de consumos ganhando cada vez mais espaço no mercado em diversos setores, é mais um motivo para pensarmos em seu uso.
Mas café especial filtrado em coador de pano, funciona? Como é feita a limpeza e armazenamento? Essas, e tantas outras dúvidas, o PDG Brasil esclareceu com mulheres especialistas no assunto, profissionais que trabalham com o coador de pano e já testaram e reviraram todas as possibilidades imagináveis. Vem com a gente entender melhor sobre esse assunto.
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Costumes do nosso povo
O coador de pano é um dos métodos mais antigos e tradicionais de preparar café. Quando se fala nele, uma das primeiras coisas que vêm em mente é a tradição popular, já que tomar café coado soa como uma conexão com histórias e memórias dos cafés da tarde à mesa das nossas avós.
Na década de 80, as máquinas de café espresso chegaram ao Brasil trazendo agilidade e praticidade, mas com a terceira onda do café os métodos voltaram a todo vapor, e isso inclui o bom e velho coador de pano que vem resgatar a memória afetiva.
Conversando com Simone de Paula, proprietária da Café com Arte Coadores, e barista assistente de cursos no Sindicato da Indústria de Café do Estado de São Paulo (Sindicafé), ela conta que nessa jornada como fabricante de coadores de pano e ao mesmo tempo barista, o maior aprendizado foi respeitar e honrar as tradições populares.
“Há muitos anos as pessoas são felizes preparando café no coador de pano, um hábito que alimenta o corpo, nutre a alma e nossas raízes. Em vez de ir contra esse costume, optamos por ensinar o uso do coador de pano da melhor forma possível.”
O material ideal para o coador de pano
Antes de escolher seu coador de pano, é preciso considerar o tamanho / modelo que você precisa. Hoje em dia existem coadores de todo tipo, para porta filtro tradicional da Melitta, modelos Hario V60, e até mesmo Aeropress e Chemex.
“Por isso, compre o coador de acordo com seu modelo de método, e também considerando quanto de café você prepara”, sugere Maria Mion, educadora do café e instrutora certificada Specialty Coffee Association (SCA).
“Não há por que comprar um coador grande se você não for utilizar sua capacidade máxima. Você utilizará mais água para mantê-lo limpo e quando for descartar terá um volume maior de resíduo.”
Giovanna Serrano é a criadora do projeto Fabrikafe.co, além de especialista em café, costureira e fotógrafa. Ela produz filtros de pano para todos os tipos de métodos e modelos que você pode imaginar, e comenta sobre o material e a trama do tecido.
Os tecidos sintéticos, como poliéster, podem soltar micropartículas plásticas em sua bebida, e isso com certeza não é algo que você deseja. Giovanna sugere sempre as fibras naturais, que não tenham passado por processos químicos de tingimento ou cloro, para serem biodegradáveis, não apresentando riscos ao meio ambiente e ao consumidor.
Simone atende muitas redes com os coadores produzidos na Café com Arte Coadores, e conta que foi necessário encontrar um tecido que entregasse um bom resultado de bebida, secasse com facilidade e não soltasse fiapos (que pode acontecer com as flanelas). Por isso escolheu a malha de algodão, que teve uma excelente aceitação do mercado. Outro ponto importante é o suporte do coador.
“Caso o coador de pano venha com suporte, é importante atentar à qualidade de seu material, pois alguns são feitos de metais que oxidam facilmente. Para evitar isso, desenvolvemos suportes em aço com tratamento de fosfatização e pintura eletrostática, prolongando sua vida útil.”
A trama que faz diferença em sua extração
Você está curioso para saber se, sensorialmente falando, existem diferenças entre as extrações feitas no coador de pano e no de papel? E a resposta é sim, considerando que cada um deles tem suas características que refletem na xícara.
Simone conta que no coador de pano temos maior extração de sólidos solúveis em comparação ao de papel, resultando numa bebida de sabor mais intenso e untuoso pela presença de óleos, algo que agrada bastante o paladar da grande maioria dos brasileiros.
Maria, complementa que o filtro de papel sempre irá reter mais partículas e alguns óleos, então o resultado será uma xícara mais “limpa”, porém menos encorpada.
“No pano ganhamos corpo e obtemos uma textura mais aveludada, mas perdemos em limpeza, que no contexto do preparo se refere à clareza sensorial. Quanto mais limpa é uma bebida, melhor sentimos as nuances sensoriais.”
“Quando comparamos o papel e o pano, podemos imaginar uma escala com dois extremos, onde o papel entregará uma bebida com muita limpeza e clareza sensorial. Por outro lado, o pano valorizará a densidade, textura e corpo.”
Por isso julgar qual deles é melhor não vem ao caso, pois não é possível colocá-los juntos nessa perspectiva. Em ambos os casos ganhamos ou perdemos, o importante a se saber é qual bebida cabe melhor no seu gosto.
Sustentabilidade nas práticas diárias
A vida útil de seu coador de pano dependerá do uso: quantas extrações por dia você faz, como você limpa e a maneira como o armazena.
Mas no geral pode-se considerar, seguindo à risca todas as orientações e cuidados, e preparando café duas vezes ao dia, uma vida útil em torno de um a três meses. Se o uso for consideravelmente menor, mas os cuidados forem priorizados, pode-se chegar a uma durabilidade de até seis meses.
A recomendação é sempre observar as condições do filtro, se as fibras estão boas, mas principalmente o sabor do café. Maria conta que esses dois pontos irão ajudar a identificar se está na hora de trocar seu filtro ou não.
Agora, sobre seu descarte e pensando em sustentabilidade, compostar é sempre uma ótima opção se você já tiver essa prática como hábito. Também é possível descartar no lixo dos resíduos orgânicos, ou até usar como saquinho para plantar sementes e mudas.
Se for jogar em lixo convencional, de preferência faça o descarte sem a borra do café. Aproveite esse resíduo em seus vasos ou jardim, como adubo orgânico, recomenda Simone.
Ela conta que “usando o coador de pano duas vezes ao dia, em um mês, evitamos o descarte de 60 filtros de papel com borra de café. Considerando que o tecido leva em média seis meses para se decompor, sem dúvida sempre será uma alternativa ecológica”.
Giovanna nos lembra que, quando você compra um coador de pano, seja qual for, cada costura, corte e montagem é feita pelas mãos reais de alguém que dedica seu tempo a esse ofício, e você ajuda a remunerar esse pequeno artesão empreendedor.
“Além do fato de nos convidar a mudar a nossa lógica de consumo acelerada, onde tudo é descartável. Mas, calma, que tá tudo bem usar papel também. Não seria sustentável o mundo todo decidir usar pano de um dia para o outro”, pondera Giovanna.
“Mas seria bacana se todo mundo se atrevesse a questionar essa lógica, e adicionar aos poucos novos hábitos em sua rotina, olhando para as origens de seu consumo e levando isso para outros aspectos de nossas vidas.”
Como cuidar do meu coador de pano?
De acordo com a tradição que ainda se vê sendo praticada em algumas regiões do Brasil, existia o costume de ferver o coador de pano com água e pó de café antes do primeiro uso, para eliminar o sabor característico do tecido, conta Simone.
Mas foi unânime o posicionamento sobre a prévia do primeiro uso: ferver o coador de pano por uns cinco minutos. Esse processo hidrata a fibra do tecido preparando para sustentar uma extração com bons resultados, além de ajudar a limpar os resíduos do processo produtivo, manipulação, transporte etc.
Como limpar?
Para o filtro de pano poder acompanhar a sua rotina por mais tempo, de maneira higiênica e segura, é essencial mantê-lo sempre higienizado (fazendo a limpeza assim que terminar de preparar seu café), e o armazenamento.
- Terminou de extrair, vá direto para a pia e elimine a borra residual;
- Lave bem o tecido em água corrente e sem o uso de detergentes ou sabões;
- Se quiser garantir maior limpeza, passe uma água fervente (tomando cuidado para não se queimar);
- Esfregue com as mãos e tire o excesso de água (pressionando entre as palmas das mãos, pois torcer o pano pode deteriorar suas fibras mais rapidamente).
Como guardar?
Feita a limpeza, como armazenar da melhor maneira possível, evitando que seu filtro de pano embolore ou esteja mais suscetível à proliferação de bactérias? Sua frequência de uso pode ajudar a decidir qual a melhor maneira de guardá-lo:
- Uso diário: mantenha seu filtro submerso em água dentro de um pote de vidro com tampa na geladeira;
- Uso eventual: utilize aqueles saquinhos que tenham o zip, e armazene no congelador.
Chegou a hora de preparar um novo café, após todo esse processo, e é bem simples: em ambos casos, basta escaldar o filtro da mesma forma que você já está acostumado a escaldar o filtro de papel.
Giovanna deixa a dica caso seja necessária uma manutenção: você pode ferver novamente seu filtro e até usar um pouco de bicarbonato de sódio se o caso for mais grave (tipo se você esquecer seu filtro com a borra “dormindo” na pia).
O mais importante é evitar que o coador seja armazenado úmido dentro de gavetas ou em armários, pois isso pode contaminá-lo. Se for deixar secar, que seja um processo rápido, preferencialmente com exposição ao sol e ventilação.
Apesar de todas essas informações, não podemos esquecer do gosto pessoal de cada um, isso vale mais do que qualquer regra. Por isso, faça o teste sensorial para entender as diferenças entre um café filtrado em papel e outro em pano.
Para isso, prepare o mesmo café sob as mesmas variáveis (método, proporção, moagem, temperatura etc.), depois prove ambos, lado a lado, observando principalmente: corpo, textura, clareza, e limpeza.
Se pensarmos em desvantagens, possivelmente a única que você encontrará será o tempo e cuidado a mais que o filtro de pano exige. Mas, considerando que o ritual do café pode ser um momento de apreciação e pausa, somado a todo o panorama da sustentabilidade e revisão de consumo, o peso do ônus comparado ao bônus pode ser menor, e vale ao menos tentar encarar essa experiência, mesmo que seja para abrir pequenos espaços na rotina e novos horizontes sensoriais.
Créditos: Fabrikafe.co (destaque: filtro de pano modelo Hario V60, com camada dupla; Giovanna Serrano costurando peças em algodão; reaproveitamento de filtro de pano para plantar mudas; filtro de pano modelo Aeropress; primeira lavagem do filtro de pano); Simone de Paula (filtro de pano dose única em malha de algodão e suporte de aço inox da Café com Arte Coadores); Maria Mion (coando café em coador de pano individual; café coado no coador de pano individual).
PDG Brasil
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