Os cafés de origem única são “melhores” do que os blends?
Em praticamente todas as cafeterias da terceira onda dos cafés especiais ao redor do mundo você encontrará pelo menos um café de origem única disponível. Tanto os profissionais do café quanto os consumidores apreciam esses cafés porque geralmente mostram melhor o terroir e as características naturais de um café.
Ao longo da última década, as origens únicas ganharam grande destaque. Além da percepção de maior qualidade, transparência e rastreabilidade se tornaram cada vez mais importantes para os consumidores. As pessoas agora querem cafés que tenham uma “história” por trás.
No entanto, nos últimos anos, os blends fizeram uma espécie de retorno. Nos Campeonatos Mundiais de Baristas anteriores, vimos cada vez mais concorrentes usarem blends como parte de suas apresentações. Além disso, à medida que os preços do café aumentaram, mais torrefadores começaram a mudar seu foco para blends para gerenciar seus custos de forma mais eficaz.
Então, cabe perguntar: os cafés de origem única ainda são mais populares entre os consumidores de cafés especiais? E sendo assim, eles são “melhores” do que os blends? Para descobrir, conversei com Joel Singer, fundador e gerente geral da Origin Coffee na África do Sul, e Lloyd Thom, comprador de café verde da Campos Coffee, na Austrália. Continue lendo para saber mais.
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O que significa origem única?
Como muitos outros termos em cafés especiais, não há uma definição formal de “café de origem única”. Embora possamos determinar que os cafés de origem única são provenientes de um local, que pode ser:
- um país específico;
- uma região num país;
- uma fazenda ou produtor em particular (que pode possuir várias fazendas);
- um talhão específico de terra numa fazenda (como micro ou nano lotes, dependendo do tamanho).
Consequentemente, esses cafés geralmente têm perfis de sabor mais exclusivos e expressam melhor o terroir da região onde foram cultivados. O termo “terroir” – que é normalmente usado na indústria do vinho – abrange essencialmente todos os fatores que contribuem para os sabores do café. Incluindo:
- altitude;
- qualidade e composição do solo;
- Condições climáticas
- organismos que vivem ou crescem em, sobre e ao redor de fazendas de café.
Além disso, os cafés de origem única se tornaram mais populares porque mais consumidores se preocupam mais com a rastreabilidade e a transparência. Em comparação com um blend – composto por vários cafés diferentes – cafés de origens únicas são muito mais fáceis de rastrear até uma determinada região, fazenda, produtor ou lote de terra.
Para comercializar esses cafés de forma mais eficaz, os torrefadores geralmente incluem mais informações sobre a embalagem – como altitude, variedade, método de processamento e pontuação da xícara. Eles também podem compartilhar mais informações sobre o produtor e a fazenda com o consumidor, como uma forma de “preencher a lacuna” entre eles.
Cafés especiais são necessariamente de origem única?
A maioria dos torrefadores de cafés especiais e cafeterias há muito tempo associa origens únicas a maior qualidade. Essa ideia surgiu pela primeira vez durante a terceira onda de cafés especiais em meados dos anos 2000. Essa época foi marcada pela qualidade e rastreabilidade, que se tornaram muito mais importantes para torrefadores e consumidores.
“As maiores marcas comerciais construíram sua reputação fornecendo um produto consistente, mas às vezes de qualidade inferior, dependendo de seus preços. Naquela época, a maneira de diferenciar sua marca era se concentrar na rastreabilidade. Foi uma sugestão para o cliente de que algo estava diferente no seu café”, diz Joel.
Os cafés de origem única também ajudaram a mostrar aos consumidores que alguns torrefadores trabalham mais de perto com os produtores e, assim, sabem mais sobre de onde vem seu café e como ele foi cultivado. Entre outras coisas, isso pode resultar em agricultores recebendo preços mais altos por seu café, além de estabelecer mais confiança com torrefadores para desenvolver relações de trabalho de longo prazo.
“Os cafés de origem única representam uma porcentagem relativamente pequena das vendas gerais da Campos, mas estão no centro de nossa história e filosofia como empresa. Falamos sobre os lugares de onde esses cafés vêm e as pessoas e processos envolvidos. Nosso objetivo é celebrar a própria origem, incluindo as associações que as pessoas podem ter com esse país ou região específica”, Diz Lloyd.
Uma experiência premium
Com os consumidores de cafés especiais colocando uma ênfase crescente em fatores como rastreabilidade e sustentabilidade, eles estão geralmente dispostos a pagar preços mais altos por cafés de origem única – desde que sejam de alta qualidade.
Ao beber café de origem única, é quase como se você estivesse levando o cliente a uma jornada que ele não sabia necessariamente que queria seguir. E geralmente eles apreciam essa experiência”, diz Joel.
Essencialmente, saboreando perfis sensoriais mais únicos e interessantes, os consumidores podem desfrutar de todo o espectro do sabor de um café. Ao mesmo tempo, eles também estão aprendendo mais informações sobre a origem e a produção de café – agregando mais valor à cadeia produtiva.
“Oferecer origens únicas desempenha um papel importante na percepção da marca para os torrefadores – semelhante à venda de uma variedade de itens caros”, diz Lloyd. “Eles podem estar fora da faixa de preço de um cliente, mas o fato de o torrador ter esses cafés diz ao consumidor que ele sabe o que está fazendo, quando se trata de café de alta qualidade.”
E quanto aos blends de cafés especiais?
Não há dúvida de que os cafés de origem única ajudaram a abrir caminho para um impulso geral em direção a um café de maior qualidade e irrevogavelmente melhoraram o setor de cafés especiais. No entanto, isso não quer dizer que os blends também não desempenhem um papel importante.
Os blends têm sido um elemento básico da indústria do café desde o seu início e são uma combinação de pelo menos dois cafés diferentes. Os cafés podem variar em vários fatores, incluindo:
- diferentes países (por exemplo, Brasil e Quênia);
- várias regiões de um mesmo país;
- cafés de diferentes produtores de uma mesma região;
- diferentes variedades ou métodos de processamento da mesma fazenda (neste caso, os cafés podem ser conhecidos como blends de origem única).
Historicamente, os blends são considerados de qualidade inferior em comparação com os cafés de origem única. Isso certamente pode ser verdade em alguns casos, especialmente quando os sabores nos diferentes cafés não são complementares, ou seus níveis de solubilidade não são semelhantes o suficiente para garantir uma extração uniforme.
Além disso, misturar arábica com robusta de baixa qualidade para reduzir o preço final do blend pode ser uma prática comum para torrefadores comerciais maiores. Isso ajudou, nos últimos anos, a aumentar a percepção geral de que os blends têm menos qualidade.
No entanto, mais recentemente, essa narrativa mudou – especialmente para os cafés especiais. A ideia por trás dos blends é criar perfis de sabor consistentes e mais repetíveis. E também criar um café mais completo e versátil do que uma única origem poderia oferecer.
Blends em competições
Nos últimos dois anos, vimos blends se destacarem no palco do World Barista Championship e da World Brewers Cup. No WBC de 2023, por exemplo, o vencedor Boram Um usou um blend de Gesha fermentada anaerobicamente e Bourbon Rosa natural em sua apresentação de bebidas lácteas. O concorrente italiano Daniele Ricci, que ficou em segundo lugar, também usou um blend de Gesha colombiana e Caturra da mesma fazenda.
Durante suas apresentações, ambos os concorrentes enfatizaram como o blend de seus cafés ajudou a criar uma experiência de sabor mais equilibrada e completa.
Confiabilidade e consistência
Claramente, os consumidores estão dispostos a pagar mais por cafés de origem única, mas às vezes a decisão simplesmente se resume à consistência. “Os torrefadores não criam blends melhores do que a soma de suas partes apenas para vender café mais barato. Os blends geralmente têm preços de entrada por boas razões”, diz Joel.
“Em nossas cafeterias, cerca de metade das vendas são de blends. Mas com os clientes B2B, é cerca de 90%. O preço é uma preocupação para a grande maioria das empresas do setor. Se cada torrefador vendesse apenas origens únicas, os consumidores não teriam necessariamente a mesma experiência onde quer que fossem”, ele conclui.
Os cafés de origem única são realmente “melhores” do que os blends? Bem, é difícil dizer. Finalmente, a resposta é completamente subjetiva e baseada na preferência de cada um, sendo impossível chegar a uma conclusão.
Como indústria, o mais importante será reconhecer que tanto as origens únicas quanto os blends têm um enorme potencial de qualidade – e, como tal, podem coexistir harmoniosamente.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre blends de cafés especiais: quão empolgantes eles podem ser?
Créditos das fotos: Lloyd Thom, Campos Coffee
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil
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