As xantinas e os efeitos da cafeína no nosso organismo
Cafeína, ácidos clorogênicos, diterpenos, trigonelina, melanoidinas, ácidos orgânicos, minerais, açúcares… A composição química do café é extremamente complexa e, cada um desses componentes, quando ingeridos provocam, em maior ou menor intensidade, efeitos no organismo.
O mais famoso desses compostos, sem sombra de dúvida é a cafeína, uma xantina, que, para além do café, está presente também em outros alimentos, como o chá. Diversos efeitos fisiológicos são atribuídos à ingestão desse composto, porém os reais efeitos ainda são incertos e são estudados por diversos grupos de pesquisa.
Segundo a base de dados ScienceDirect, onde uma gama de artigos científicos são disponibilizados, nos últimos 10 anos, mais de 23 mil artigos foram publicados especificamente em relação à cafeína, isso levando-se em conta somente artigos das áreas médicas e farmacológicas.
O PDG Brasil conversou com cientistas para comentar o que já se sabe sobre os efeitos que a cafeína provoca no organismo.
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Os alcaloides
Alcaloides são substâncias químicas que possuem em sua estrutura a função amina, com um ou mais átomos de nitrogênio, que geralmente contém anéis heterocíclicos (átomos que não são carbono). A maioria desses alcaloides é naturalmente produzida por plantas e corresponde a metabólitos secundários, isto é, aqueles compostos que as plantas produzem e que não estão diretamente associados à sua sobrevivência. Ao contrário, são produzidos como forma de proteção contra animais e insetos.
Os alcaloides têm um gosto amargo e se acumulam nas partes jovens da planta que geralmente são alvos dos predadores. Eles apresentam algumas atividades farmacológicas em humanos e animais que os consomem, afetando o sistema nervoso e outros processos essenciais. Cocaína (droga sintética), nicotina e morfina são exemplos de alcaloides.
O que são as xantinas?
As xantinas, quimicamente conhecidas como 1H-purina-2,6(3H,7H)-dionas, são alcaloides heterocíclicos naturais à base de purina. Purinas correspondem a adenina (A) e guanina (G) que compõem as “bases nitrogenadas”, componentes fundamentais do DNA e do RNA.
As xantinas foram descobertas em 1817 pelo químico alemão laureado com o Nobel de Química em 1902, Emil Fisher, porém o termo “xantina” foi cunhado somente em 1899.
Os alcaloides xantinas mais conhecidos incluem a cafeína, teobromina e teofilina, presentes principalmente no café (Coffea sp), cacau (Theobroma cacao) e no chá (Camellia sinensis), respectivamente.
O que é a cafeína?
Provavelmente a mais conhecida das xantinas, a cafeína (1,3,7-trimetilxantina) foi isolada pela primeira vez no início do século 19, a partir de folhas de café, pelo químico alemão Friedlieb Ferdinand Runge, que a batizou “kaffein”, que depois se tornou cafeína e foi incluída no vocabulário médico em 1823.
O mais conhecido dos compostos presentes no café, tanto no café verde quanto no torrado e também na bebida, a cafeína é um dos componentes que tem uma resistência considerável às altas temperaturas empregadas durante a torra do café, portanto sua presença tem pouca variação no café verde e no café torrado.
Acredita-se que as pequenas perdas que ocorrem são devidas à sublimação da cafeína (mudança do estado sólido para o estado gasoso, sem passar pelo estado líquido).
Coffee arabica x Coffea canephora
Nas duas principais espécies de café, C. arabica e C. canephora, a concentração de cafeína no café verde é de cerca de 1,0% a 1,2% e 1,7% a 2,1%, respectivamente. Já no café torrado é de 0,7% a 1,5% no arábica e 1,8% a 2,5% no canéfora. Segundo o estudo “Coffee: Production, Quality and Chemistry”, realizado em 2019.
Porém é importante ressaltar que as concentrações na bebida dependem da proporção do blend das duas espécies, métodos de preparo, granulometria, quantidade de água etc.
Os valores típicos (arábica) são 80 e 120 mg por xícara de café (drip coffee/150 ml) e 50 e 100 mg para espressos. Aqui também vale lembrar que os valores são médias, já que a concentração de cafeína depende muito do método de preparo da bebida, tipo de água, temperatura, tempo de contato da água com o pó, espécie de café, composição do blend, entre outros. São muitas as variáveis que podem impactar esse índice.
A cafeína depois de ingerida
A bióloga Tatiane Fagundes, que desenvolveu pesquisa envolvendo cafeína e tratamento de câncer, diz que o metabolismo da cafeína ocorre principalmente no fígado, por meio do sistema citocromo P450 1A2 oxidase, com formação de paraxantina (principal produto do metabolismo da cafeína), teobromina e teofilina. E acrescenta que outros tecidos, como cérebro e rim, também têm papel importante na produção do citocromo P450 1A2 e, consequentemente, participam da metabolização da cafeína.
Mais de 99% da cafeína é rapidamente absorvida pelo organismo e, ingestões entre 72 e 375 mg de cafeína, atingem concentração máxima (20-40 µmol/L) no plasma sanguíneo entre 15 e 60 minutos. Esse período depende de uma série de fatores incluindo motilidade intestinal, fisiologia e veículo de ingestão da cafeína (matriz do alimento, se ingerido sólido ou líquido, quantidade, ingestão em cápsula ou em goma etc.).
Uma vez na corrente sanguínea, a cafeína é distribuída a todas as células do organismo, onde penetra livremente.
Esse alcaloide tem um tempo de meia-vida que varia de 4 a 6 horas, isso quer dizer que a quantidade de cafeína no organismo reduz pela metade dentro de 4 a 6 horas após a sua ingestão.
Atuação da cafeína no organismo
O principal mecanismo de ação da cafeína é como antagonista dos receptores da adenosina. Esses receptores estão amplamente distribuídos em quase todos os tecidos do corpo humano e órgãos e exercem funções importantes na fisiologia cardíaca e cerebral, além de outras respostas fisiológicas do organismo, por exemplo, dor e inflamação.
Já a adenosina, segundo a Dra. Fagundes, é um neuromodulador do sistema nervoso central que atua sobre esses receptores. Sua principal função é avisar ao cérebro quando estamos fadigados.
A pesquisadora diz que, durante o dia, com o gasto energético, a adenosina se acumula na corrente sanguínea e no cérebro, fazendo com que a gente se sinta cansado, até que no final do dia, a quantidade de adenosina atinja um pico que nos faz ficar com sono. A cafeína tem a capacidade de se ligar aos mesmos receptores da adenosina, inibindo sua atividade. É como se a cafeína “enganasse” o cérebro.
A redução da atividade da adenosina leva a um aumento da atividade do neurotransmissor dopamina, alteração de humor, aumento da vigilância e redução de sonolência. Por afetar o sistema cardiovascular, a ingestão da cafeína pode levar a aumento da pressão arterial.
Obviamente deve ser destacado que o efeito da ingestão da cafeína depende da dose ingerida, peso corporal e tolerância (se toma café frequentemente ou não).
Tatiane destaca que alguns estudos já trazem a cafeína potencializando efeitos de quimioterápicos usados para tratamento de tumores ósseos, por exemplo. “Em minha pesquisa, observamos que a cafeína aumentou o efeito de um quimioterápico no tratamento de tumores de pele em animais”, conta a pesquisadora.
Outras xantinas
Teofilina (1,3-dimetilxantina)
Essa xantina ocupa a segunda posição das xantinas mais pesquisadas, atrás da cafeína. É uma xantina presente em concentrações relevantes no chá verde e no chá preto (200 – 400 µg/g). O próprio café contém teofilina, porém em concentrações muito pequenas (5 µg/g).
Essa xantina foi extraída pela primeira vez em 1888 pelo bioquímico alemão Albrecht Kossel, e desde então seus efeitos fisiológicos vêm sendo estudados, dos quais incluem estimulador cardíaco, diurético, broncodilatador etc. Por essa ação sobre o sistema respiratório, a utilização da teofilina em conjunto com outras drogas se mostrou mais uma arma no tratamento de pacientes com Covid-19.
A teofilina tem um tempo de meia-vida de 7 – 9 horas e é tóxica se ingerida em concentrações acima de 7,5 mg/kg de peso corporal.
Teobromina (3,7-dimetilxantina)
É uma xantina derivada de plantas do gênero Theobroma, cujo principal representante é o cacau e, assim como a teofilina, é um dos subprodutos do metabolismo da cafeína. Essa xantina é a principal alcaloide encontrado tanto no cacau quanto no chocolate e sua presença é a responsável pela modulação de humor que temos ao comer chocolates.
Pudemos perceber o quão complexo é a relação entre a cafeína e o nosso organismo. Milhares de pesquisas já foram realizadas e outras centenas seguem em andamento para descobrir mais sobre os efeitos desse composto em nosso corpo. Mas algo é certo: a cafeína tem um impacto no funcionamento do nosso corpo, por vezes positivo, por vezes nem tanto. Vale nos conhecermos para entender o nosso limite no consumo de café e, consequentemente, o limite de cafeína que podemos ingerir de maneira saudável.
Créditos: Mark Daynes (grãos de café torrado/destaque); The Station (café, cacau e chá), Anastasia Romanova (inseto); Jaimie Phillips (folhas do cafeeiro); Ray Chan (preparos de café); Crystal Shaw (mulher com café e chapéu), Stronger by Science, Manki Kim (chaleira e xícara com chá); Martin Tupy (moka com café).
PDG Brasil
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