A história do café no Brasil pelas obras de Portinari
Candido Portinari é um dos maiores artistas brasileiros contemporâneos e reconhecido em todo o mundo como tal.
As origens do artista são registros do desenvolvimento do Brasil no século 20, e retratam também a história da cultura cafeeira do país. Filho de imigrantes italianos e trabalhadores de lavouras de café, Portinari criou muitas obras que retratavam as nuances da realidade da cafeicultura.
Neste artigo o PDG Brasil apresenta uma curadoria das principais telas e ilustrações de Candido Portinari sobre o ciclo de ouro da cafeicultura do Brasil.
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Qual é a relação de Portinari com o café?
Candido Portinari é considerado um dos artistas de arte moderna mais bem sucedidos na história do Brasil. Obteve uma série de conquistas até então inéditas a artistas brasileiros, como a medalha da Legião de Honra, concedida pelo governo francês, uma exposição solo no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), e mais celebremente, a produção do mural “Guerra e Paz”, para a sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, entre muitas outras.
Foi a tela “Café”, pintada em 1935 por um jovem Portinari no Rio de Janeiro, obteve a 2ª Menção Honrosa do Carnegie Institute nos EUA, o primeiro prêmio estrangeiro concedido ao artista (detalhe acima).
Nascido em 1903 no vilarejo de Santa Rosa, da região cafeeira de Brodowski, parte de Ribeirão Preto, em São Paulo, Portinari era filho de colonos italianos que vieram ao Brasil atraídos pela promessa de trabalho estável, terras para cultivo e sustento das famílias. A família Portinari trabalhava na Fazenda Cafeeira Santa Rosa, localizada na zona rural de Brodowski.
“O café, na época de Portinari, era fortemente entrelaçado com a identidade do brasileiro – a economia do país girava em torno desse mercado, que foi retratado também por outros artistas modernistas”, diz Pietro Amorim, historiador do Museu do Café, localizado na cidade de Santos.
Saiba mais sobre a expansão da cafeicultura no século 19 no artigo: A História do Porto de Santos em 10 Imagens Icônicas.
“O artista tinha uma relação pessoal com a cafeicultura. O povoado de Brodowski, posteriormente elevado a município, está localizado na região nordeste do Estado de São Paulo, e tem a sua história estreitamente ligada aos projetos de expansão da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, no final do século 19, quando a cafeicultura se expandiu na região”, explica Pietro.
A temática das obras de Portinari remetem aos temas de sua vivência em uma cidade de colonos e trabalhadores rurais de cafezais, o que incluía a injustiça social e as inúmeras dificuldades enfrentadas pela população devido à pobreza e falta de oportunidades sociais – principalmente no que dizia respeito ao tratamento dos ex-escravos e seus descendentes na sociedade brasileira pós-abolição.
No acervo da Fundação e Projeto Portinari estão listadas 89 obras que retratam a realidade da cafeicultura no Brasil no século 20.
Talento nato
Portinari pintava e desenhava desde criança, e não chegou a completar o ensino primário antes de começar a trabalhar com arte, aos 14 anos, como ajudante de pintores em trabalhos de restauração de igrejas em Brodowski.
O artista, que faleceu aos 58 anos devido a complicações decorrentes da intoxicação por chumbo de suas tintas, apenas na vida adulta teve acesso à formação artística. Portinari era o segundo de 12 filhos, e toda a sua família o incentivava em suas ambições artísticas.
Foi no Rio de Janeiro que estudou arte oficialmente, na Escola Nacional de Belas Artes da cidade, onde morou por mais de uma década.
Quando foi viver em Paris por dois anos, com 29 anos, patrocinado por um prêmio de melhor obra recebido em uma exposição, a nostalgia pela terra natal e suas cores e cultura o motivaram a desenvolver obras sobre o Brasil. Foi em sua temporada em Paris que conheceu e casou-se com Maria Victoria Martinelli, uma uruguaia de ascendência italiana. O casal teve um filho, João Candido Portinari, que hoje faz a gestão do Projeto Portinari.
Portinari pintou os lavradores e obreiros humildes que sustentavam a economia do Brasil porque conhecia de perto essas realidades. Seu trabalho mostra que o artista reconhecia como dever e privilégio narrar a realidade social dos brasileiros, pelo fato de ter voz e exposição como artista em todo o mundo.
Os imigrantes e o café
Na segunda metade do século 19, todo o continente europeu passava por uma crise geral de miséria, doenças e desigualdade social, decorrentes da ascensão do industrialismo, decadência da produção feudal e de décadas de conflitos nas Guerras Napoleônicas.
Particularmente na Itália, a situação da população era agravada pelas guerras derivadas dos 20 anos de batalhas pela unificação do país.
Portinari era filho dos imigrantes italianos Giovan Battista Portinari e Domenica Torquato, que chegaram ao Brasil no final do século 19, oriundos da zona de Chiampo, província de Vicenza, na região do Vêneto, então parte do império austriaco.
A imigração em massa que se deu durante a fase da unificação é chamada de “Diáspora Italiana” pelos historiadores. Italianos do norte, onde se localiza o Vêneto, eram habituados a trabalhar em campos de cultivo e agronomia por ser o principal meio de subsistência da região, e a zona foi fortemente atingida pelos combates da guerra da unificação.
Os imigrantes do norte da Itália se dirigiram em maioria à América do Sul – Argentina, Uruguai, Chile e Brasil, se estabelecendo nas regiões do Sul e Sudeste, onde houve o maior crescimento quanto à instauração do cultivo de café.
A contribuição italiana para a cafeicultura brasileira foi objeto da exposição “Viaggio Nella Terra del Caffè”, realizada em 2021 na Embaixada do Brasil em Roma – propositalmente, realizada na galeria Candido Portinari.
Os colonos do café e a abolição da escravidão
Em 1850, o tráfico negreiro foi abolido no Brasil; o processo de eliminação da mão de obra escrava foi gradual até quando se deu a abolição da escravidão (em termos legais), em 1888 – sabemos, no entanto, que a escravidão, seguiu ilegalmente (e segue) até os dias de hoje.
A imigração espontânea já se dava no Brasil por europeus e asiáticos, mas não em grande escala como em outros países das américas, como o Estados Unidos e Canadá, que ofereciam uma gama mais ampla de oportunidades de emprego.
O discurso dos recrutadores em atrair colonos para trabalhar nos cafezais era que o Brasil seria uma terra nova de oportunidades de enriquecimento proporcionado pela produção cafeeira. A cafeicultura era o epicentro da economia do Brasil na época, mas não havia força de trabalhadores suficientes para acompanhar a rapidez com que se deu a expansão do cultivo. A quantidade de café exportada pelo Porto de Santos aumentou de 543.425 sacas em 1870, e em 1890, atingiu 3.048.327 de sacas.
O ideal da campanha pró-imigracao europeia para sanar a questão da mão de obra nos cafezais incluía um adiantamento nos ordenados com despesas de viagem cobertas, oferecimento de moradia e cessão de um pedaço de terra dos cafezais. Os custos eram patrocinados pelo governo brasileiro e pelos barões do café, a partir da segunda metade do século 19.
Os brasileiros livres
Apesar de muitos fazendeiros defenderem a mobilização da força de trabalho entre a população livre e pobre brasileira, havia uma forte pressão política em incentivar a colonização privada de imigrantes especificamente para as lavouras de café.
De fato não haviam trabalhadores suficientes para a expansão de outras culturas além do café, mas o incentivo ao movimento de imigração dos europeus também era fundamentado em preconceitos contra os brasileiros.
“Para muitos fazendeiros não havia escassez de trabalhadores. O problema da ‘falta de braços’ não era demográfico, mas sim político (…) o emprego de trabalhadores brasileiros exigia reformas complexas, muitas delas controversas e de custos políticos e econômicos grandes”, conclui Maria Lúcia Lamounier, no estudo Agricultura e mercado de trabalho: trabalhadores brasileiros livres nas fazendas de café e na construção de ferrovias em São Paulo.
“Do ponto de vista da população livre (nativa do Brasil), o engajamento em qualquer tipo de trabalho temporário era uma forma de manter a independência diante de leis que podiam restringir sua autonomia e mesmo sua liberdade”, diz Maria Lúcia.
Essa falta de encorajamento à incorporação e capacitação dos próprios brasileiros durante a expansão da agricultura de exportação, cujas consequências sociais eram a marginalidade social e miséria, foram temas nucleares nas obras de Portinari.
Quando os pais de Portinari deixaram a fazenda para se mudarem para a cidade de Brodowski, o artista teve contato com a realidade das famílias retiradas em busca de trabalho, o que lhe marcou por toda a vida quanto aos seus posicionamentos sociais. A estação de trem Brodowski era estratégica para o transporte do café ao Porto de Santos, e também para onde se dirigiam estas famílias, que viviam em condições de extrema pobreza.
Os colonos europeus nos cafezais
Quando os europeus chegavam ao Brasil, eram deslocados para as fazendas de café, onde cada família tinha lotes designados ao trabalho, cuja parte dos rendimentos eram destinados ao pagamento dos gastos de viagem e demais dívidas.
O sistema de cultivo e agro-exportação de café se dava em grandes lavouras de exportação sob o regime de parceria com os imigrantes, opção preterida pela maior estabilidade em se conseguir trabalhadores; não havia chances de que a população nativa e pobre obtivesse meios de se desenvolver como pequenos produtores independentes.
Colonos estrangeiros necessitavam da moradia fixa fornecida pelos fazendeiros, enquanto os brasileiros e ex-escravos optaram por trabalhar na agricultura de subsistência das terras de suas próprias comunidades na época de colheita e plantio, já que com a aboliçao da escravidao, eles deixaram as grandes lavouras e o sistema de ‘proteção’ dos seus senhores.
Portinari imprimia suas convicções políticas em suas obras e nem poderia ser de outra forma – a pintura, para ele, era a forma de expressar sua visão da vida, o que poderia tomar forma tanto no estilo realista e modernista que o consagrou, quanto em obras de inspiração poética e nostálgica quanto ao seu povo, cultura e raízes.
Crédito das obras em ordem:
Peneirando Café, Rio de Janeiro, 1957/destaque
Café, 1935, Rio de Janeiro
Colheita do Café (Mulheres colonas no Cafezal/Obra Final),1956
Café – Cenas de Trabalho, 1934
Café, 1940 (Property of Beatrice M. Stone)
Transportando Café, 1960
Colheita Café, 1958, Obra Particular
Festa de São João (No Cafezal), 1958
Peneirando Café (Mulher), 1957
Operário,1934
Colheita de Café, 1960, Painel BankBoston
Desenho livre, pé de café em Brodowski (detalhe), 1956. “Agosto a Outubro Floração Rastelo Rodo só no terreiro na secagem Abril colheta [sic] arroz Natal e Maio feijão colheta [sic]”; No verso, autenticação e inscrições de Maria Portinari, com anotações de Portinari sobre as fases do ciclo produtivo do cafezal.
Agradecimento: Projeto Portinari.
Observação: as obras precisaram ser recortadas para se ajustarem ao formato.
PDG Brasil
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