Podemos adoçar o café e ainda manter o sensorial?
O fruto do café é naturalmente rico em açúcares, e, dependendo do processo nutritivo ao qual a planta é submetida, mais significativo é o índice de doçura da cereja. Esse é o argumento dos defensores do café sem açúcar no meio dos cafés de especialidade.
Se o café é naturalmente doce quando produzido, processado, torrado e extraído de acordo com critérios que priorizem a qualidade de todo o ciclo, o que se comprova na xícara, por que haveria a necessidade de se adicionar açúcar?
Explicações quanto ao motivo da preferência do brasileiro pelo cafezinho adoçado vão desde associação cultural à química cerebral e DNA.
Neste artigo o PDG Brasil explora a relação do brasileiro com o açúcar e o café, como os açúcares interferem com o sabor original da bebida e qual o veredicto da ciência sobre o assunto.
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O corpo humano e o açúcar
Há cerca de 15 milhões de anos se formaram os genes da predisposição biológica do ser humano moderno de desejar alimentos doces, e com alto teor de açúcar. Trata-se, literalmente, de uma questão de sobrevivência da espécie.
A capacidade do ser humano de distinguir acidez, pungência, doçura e amargura se desenvolveu como um sistema de defesa contra a ingestão de alimentos potencialmente letais ou tóxicos. O sabor doce do açúcar estimula o aumento da produção do hormônio dopamina no cérebro, que proporciona sensações de bem-estar, euforia e prazer.
“Nosso cérebro reconhece a doçura como uma sensação de prazer e recompensa”, diz Wilton Soares Cardoso, engenheiro de alimentos, professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (IFES).
Os símios, antepassados do Homo sapiens, adquiriam as calorias e as reservas de gordura necessárias para a sobrevivência através do consumo de frutas maduras, que contêm uma concentração de açúcar mais alta do que frutos verdes, segundo o cientista norte-americano Daniel Lieberman, biólogo evolucionista da Universidade de Harvard e autor do livro “A História do Corpo Humano: Evolução, Saúde e Doença”.
De acordo com Lieberman, o acesso do ser humano ao açúcar de forma abundante é algo muito recente, decorrente do avanço da agricultura em grande escala dos últimos 500 anos. Açúcar, até então, era encontrado em legumes, frutos e mel, e não havia o risco de se ingerir açúcar em excesso. A abundância e disponibilidade de açúcar na dieta humana contemporânea, entretanto, é danosa para o corpo humano.
O fruto do café e o açúcar
O café é uma planta frutífera, ou seja, as flores do café geram cerejas, naturalmente um fruto rico em açúcar. Curiosamente – e cientificamente, é justamente pelo fato de o café ser organicamente rico em açúcar que se dá a formação da crema do café espresso. O índice de açúcares de doçuras presentes nas cerejas do café é formado desde a nutrição do fruto enquanto ainda aderido à planta. Saiba mais sobre a crema do café no artigo Manual básico da crema do café, do PDG Brasil.
A concentração de açúcares na composição da espécie arábica é maior do que na espécie robusta. De acordo com um estudo realizado no Brasil pelo Centro de Análise Sensorial e Comportamento do Consumidor, Kansas State University, Manhattan, grãos de café de árvores cultivadas em altitudes mais altas, as arábicas, detêm maior teor de glicose em comparação com os cultivados em altitudes mais baixas, as canéforas.
Açúcar no café: uma breve história
A relação do açúcar com o café os faz intrinsecamente ligados há mais de quatro séculos. Quando o café chegou à Europa no século 16, tanto o café quanto o açúcar eram considerados itens luxuosos, acessíveis apenas às classes mais ricas.
Quando o café instantâneo se tornou popular na primeira metade do século 20, os grãos eram geralmente cultivados e preparados sem preocupações com a qualidade, para que o preço fosse acessível. Entretanto, devido à torra forte que mascarava os defeitos de produção, a bebida derivada era amarga e com acidez indesejável.
Para tornar os sabores amargos e intensos mais agradáveis, se adicionava açúcar simplesmente por ser uma combinação necessária para degustar a bebida.
Com o passar do tempo, tanto o café quanto o chá tornaram-se mais acessíveis à população em geral, assim como a combinação das bebidas com o açúcar.
E tais hábitos foram introduzidos nas culturas latino-americanas, então colônias europeias, e permanecem até os dias de hoje.
Café e açúcar e o brasileiro
“No Brasil, devido à nossa herança açucareira e também pela influência da doçaria portuguesa, de modo geral, faz parte de nossa dieta o uso do tradicional açúcar refinado da cana-de-açúcar. Nas últimas décadas, cresceu o uso de açúcar mascavo, que não passa pelo processo químico de refinamento, além do uso de adoçantes ou edulcorantes, que de modo geral possuem baixo valor energético proporcionando o gosto doce”, explica Renato Monteiro, professor de gastronomia e doutor em Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, gestor do projeto TransGarçonne.
Renato acredita que a preferência do brasileiro em adicionar ou não açúcar ou adoçantes na bebida é derivada da história da cultura de açúcar no país, e tem base na ordem social-econômica.
“Nem todos poderão adquirir cafés de qualidade
extraordinária, de modo que os cafés de baixa qualidade ou ordinários, apresentam de
modo geral, elevada presença de amargor, o que requer inevitavelmente o uso do açúcar
para mascarar o gosto amargo preponderante na percepção da bebida na xícara”, diz ele.
Os substitutos do açúcar com café explicados
No mercado brasileiro, há uma série de opções de adoçantes artificiais e naturais, além do mel, açúcar mascavo e outros. Os líderes do mercado são stévia, eritritol, maltodextrina, sacarose, ciclamato de sódio (sacarina), frutose e sucralose.
Os edulcorantes são o grupo dos adoçantes “naturais”, obtidos por meio de plantas ou presentes em alimentos de origem animal, como a frutose e a estévia. Os adoçantes “sintéticos” são gerados por meio de reações químicas de produtos naturais ou produzidos sinteticamente, como aspartame, ciclamato, sacarina sódica e sucralose.
Renato e sua equipe conduziram estudos qualitativos nos quais grupos de pessoas representando os consumidores de café provaram amostras com diferentes combinações de café espresso (com e sem cafeína, da espécie arábica) com a adição de açúcar e de substitutos do açúcar.
No estudo foram analisadas a aceitação quanto a aroma, sabor, sabor residual e a aceitação geral das amostras, que não eram reveladas quanto ao conteúdo pelos participantes da pesquisa.
O resultado do teste de aceitação revelou que, tanto o sabor do café quanto o sabor doce da bebida, foram as duas principais características que impulsionaram as escolhas dos participantes dos testes.
Adoçantes e café: as preferências dos brasileiros
Quanto às preferências dos brasileiros para adicionar ao cafezinho, o adoçante natural mais popular comercialmente é a stévia, que possui um grande poder adoçante, cerca de 300 vezes maior que a sacarose.
Dentre os adoçantes sintéticos, o aspartame é o preferido dos brasileiros (com poder adoçante 200 vezes superior ao da sacarose) e, segundo os participantes da pesquisa, detém sabor residual menos intenso do que o ciclamato e a sacarina. O sabor foi apontado como o fator que mais influencia na escolha dos adoçantes (35,6%), seguido por ser benéfico à saúde – os naturais (28,7%), indicado no boca-a-boca (26,7%), e por último, por ser mais barato (8,9%).
Já a frutose tem um poder adoçante cerca de 170 vezes maior, mas com velocidade de absorção menor do que a sacarose. A frutose foi considerada o adoçante com menor poder de doçura segundo os participantes, enquanto os adoçantes à base de sucralose e ciclamato de sódio foram apontados como os que mais se assemelhavam ao açúcar.
A sucralose, um adoçante artificial obtido por meio do açúcar natural (sacarose), obteve as notas mais altas de aprovação.
Renato e os outros pesquisadores concluíram que tanto a sucralose quanto o ciclamato são os mais indicados para substituir o açúcar comum no café, “podendo ser utilizados pelos consumidores sem grandes prejuízos sensoriais”.
Wilton diz que a substância ideal para adoçar o café deve ser aquela que “rouba” a menor quantidade de sabor, e também acredita que a sucralose é a melhor opção.
Segundo ele, o açúcar granulado pode até adicionar doçura, mas não fornece um sabor mais profundo ou complexo. Já o açúcar mascavo têm um sabor particular e intenso, que pode alterar significamente o sabor na xícara. O mesmo vale para o mel, além dos adoçantes artificiais como stévia e aspartame – os mais populares da categoria entre os brasileiros.
Adoçar ou não adoçar os cafés especiais?
É graças à doçura natural dos frutos, grãos processados com qualidade e torrados para alcançar o maior potencial gustativo e sensorial da bebida que os apreciadores de cafés especiais “acostumaram” o paladar e não sentem o desejo de adicionar açúcar ao café. “Nem todo mundo tem essa necessidade, mas, na minha opinião, a ação de adicionar apenas um pouco de açúcar ao café de boa qualidade pode melhorar sim sua capacidade de cheirar sabores diferentes, pois equilibra a acidez e suprime o amargor”, avalia Wilton.
“O açúcar suprime o amargor e a acidez do café (…) Ao equilibrar os ácidos do café com o açúcar, se pode experimentar outros sabores na bebida”, explica ele.
Preferências e filosofias à parte, gosto, como diz o ditado popular, não se discute. É possível, portanto, que, com conhecimento e informação, se possa fazer escolhas.
Créditos: Sharon McCutcheon; Joanna Kosinska; Victoria Priessnitz; Maddi Bazzocco; Mishaal Zahed; Ricardo Arce; Towfiqu Barbhuiya; Louis Hansel.
PDG Brasil
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