9 de agosto de 2022

Gravidez e café: pausa para tomar (ou evitar) o cafezinho?

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A conversa sobre gravidez e café sempre vai render um bom e longo papo entre amigas, e uma xícara e outra. Afinal, assim como escolher o nosso cafezinho predileto, a decisão de mantê-lo ou não na rotina durante a gestação está longe de ser algo fácil – ou unânime.

As diferenças de opinião sobre o “pode ou não pode” começam na reação do organismo de cada futura mamãe à cafeína. Há coffee lovers, por exemplo, que juram ter tido aversão à sua bebida predileta na gravidez. Outras contam que precisaram brigar com a sociedade para manter o velho hábito até a chegada do bebê. É o caso de uma jovem gestante inglesa, que reclamou do atendimento de uma Starbucks e acabou levando a polêmica para as redes sociais.

Em um dos seus tweets recentes, Madeline conta que uma barista da maior cadeia de cafeterias do mundo teve a “audácia” de servir a ela um frappé descafeinado, somente por seguir o senso comum de que grávidas devem evitar consumir café. 

gravidez e café

Falta de jeito da funcionária e centenas de comentários indignados à parte, o PDG Brasil decidiu buscar o que há de mais novo sobre esse assunto, consultar especialistas em nutrição e gravidez e filtrar o que de fato as futuras mamães precisam saber.

Com doses de bom senso e acompanhamento médico, há boas razões para as gestantes não aposentarem seu jogo de xícaras nem deixarem de ir à cafeteria predileta ao longo dos nove meses. Saiba por que uma coffee lover pode sim aguardar pela boa hora – e saborear cada momento – do jeito que mais gosta. 

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café na gestação

Nem tão culpado nem tão inocente 

Muitas pesquisas já associaram o café na gestação a potenciais riscos para a saúde da mãe e do recém-nascido. Mas ainda não há consenso entre os especialistas sobre o grau de culpa da bebida nesses resultados. E o veredicto, portanto, não deve ser precipitado.  

Segundo eles, faltam ensaios clínicos e controlados que avaliem todas as variáveis desse consumo ao longo dos nove meses – incluindo hábitos, doenças e até predisposição genética da gestante. 

“Seria antiético expor esse grupo aos riscos de um estudo. É por isso que as pesquisas são feitas de maneira mais observacional, com base nos já conhecidos efeitos do excesso de cafeína no organismo, e trazem achados tão diferentes”, acredita a ginecologista Renata Gimenez Costa Moreno, especialista em Ginecologia Endócrina e Reprodução Humana pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

A nutricionista Maristela Strufaldi, com especialização em Saúde da Mulher e em Nutrição Esportiva e Obesidade pela Universidade de São Paulo (USP), concorda. Ela cita a Nutrigenética para explicar o vaivém do café no banco dos réus. 

Essa ciência tem estudado o papel dos genes na reação do organismo a certos nutrientes e dietas e já divide os consumidores em dois grupos: os hipermetabolizadores e os hipometabolizadores da cafeína – ou seja, pessoas que têm uma absorção dessa substância acima do normal no corpo (hiper) e as que absorvem menos (hipo). 

“As respostas genéticas são diversas aos efeitos excitatórios do cafezinho, como hiperestimulação e taquicardia. Na gestação, não é diferente. Essas reações podem variar de gestante para gestante, de bebê para bebê e até da primeira para a segunda gravidez”, reforça Maristela, que também é educadora em Diabetes pela International Diabetes Federation

Por isso a importância de não julgar as coffee lovers que não abandonam o hábito quando engravidam. “Desde que as doses sejam reduzidas e a saúde da gestante, bem acompanhada, não é necessário proibir o consumo de café”, garante a médica Renata, mãe de Maia e Iara e também uma apaixonada pela bebida – do tipo que investe em máquina de café espresso, vários tipos de filtro e até moedor de grãos. 

“Nas minhas duas gestações mantive meu cafezinho diário, sem exageros”, confessa, enquanto mostra orgulhosa a foto de uma das filhas brincando com uma prensa francesa.

gravidez e café

O mais recente estudo, aliás, absolve o cafezinho na gravidez

Uma publicação no último dia 9 de junho no respeitado International Journal Epidemiology, da Oxford University, acaba de retirar o cafezinho do banco dos réus nos casos mais preocupantes em que já foi considerado vilão. 

Trata-se de uma avaliação do cruzamento de dados de grandes estudos ingleses envolvendo o consumo de café por mulheres, os fatores genéticos envolvidos no hábito dessa população e relatos de pais sobre o estado de saúde e as condições de nascimento de seus filhos. 

De acordo com os pesquisadores, não foi identificada qualquer relação direta entre o consumo de café e o aumento dos riscos de abortos espontâneos, natimortos ou dos quadros de baixo peso ou tamanho do bebê ao nascer.

grávida pode tomar café

Se há uma culpa, então é da cafeína

Sim, afinal, é ela – um estimulante natural – (e não necessariamente o cafezinho) que costuma aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca e acelerar o metabolismo. Na gestação, o seu excesso é ainda mais preocupante, porque a cafeína é capaz de atravessar facilmente a placenta; e o feto ainda não tem enzimas capazes de metabolizá-la. 

“Neste caso, não é preciso nem estudo para entender os riscos dessa substância psicoativa para o sistema neurológico tão inicial de um bebê em pleno desenvolvimento”, lembra a ginecologista Renata Gimenez. 

A nutricionista Maristela também reforça que a cafeína pode atrapalhar a absorção de cálcio e de ferro, dois nutrientes que, respectivamente, ajudam a fortalecer os ossos e a evitar a anemia, por exemplo, e são essenciais para a saúde das futuras mamães e seus bebês. 

Por isso, a equipe médica que acompanha a gestante precisa ficar atenta a esse consumo – e isso significa controlar não só a quantidade de xícaras de espresso, cappuccino ou do nosso coado diário. 

Muita gente ainda não sabe, mas há cafeína em alguns chás (especialmente preto, mate e verde), em bebidas à base de cola e energéticas, em chocolates e até mesmo em certos medicamentos. As medidas variam muito entre marcas de produtos e estudos sobre esses valores, mas de acordo com a nutricionista Maristela, enquanto podemos encontrar em 1 xícara de espresso 27 mg de cafeína, por exemplo, 1 lata de Coca-Cola pode ter 40 mg e 1 lata de energético, 80 mg.

gravidez e cafeína

Na dúvida, doses de bom senso

O desafio das futuras mamães coffee lovers é saber como evitar o excesso dessa substância, sem cortar totalmente a sua bebida predileta durante os nove meses. Pois isso é possível. 

O cafezinho ficou tão em evidência nas pesquisas sobre alimentação saudável na gravidez que hoje, felizmente, já existe uma dose de segurança estabelecida por comitês científicos e recomendada por entidades médicas, como American College of Obstetrics and Gynecology. O ideal para as gestantes seria o consumo diário total de, no máximo, 200 mg de cafeína – o que pode ser representado por até 3 xícaras de café, dependendo do tipo.

Como não é sempre possível saber se a gestante já consumiu (de outras fontes) sua quantidade de cafeína permitida no dia, há algumas estratégias recomendadas pelos especialistas. 

“Uma dessas três xícaras de café poderia ser, por exemplo, uma opção descafeinada”, sugere a nutricionista Maristela. 

Para quem torce o nariz, outra dica é ter uma ideia, sempre com especialistas, claro, da variação da quantidade de cafeína em cada tipo de cafezinho consumido. Isso porque já se sabe, de acordo com profissionais de Nutrição e de café, que esses números podem variar bastante de acordo com a espécie de grão, a forma de preparo, entre outros fatores. 

Segundo Maristela, em média, 1 xícara do descafeinado costuma ter 3 mg da substância, 1 xícara de espresso, 27 mg, e 150 ml de café coado, por exemplo, pode ter de 80 mg a 100 mg de cafeína. Mas há variações nesses números. 

café na gestação de bebê

Para a sorte das futuras mamães desta geração, também já é possível encontrar no mercado opções de cafés com baixo índice de cafeína (low caf), que são de excelente qualidade, além de apresentarem aroma e sabor de cafés especiais. 

E isso se deve, de acordo com artigo publicado no PDG Brasil, aos hábitos dos millennials. “Em 2017, o NCA informou que as pessoas com idade entre 18 e 24 anos eram os maiores consumidores de café descafeinado, representando cerca de 19% de todo o consumo nos Estados Unidos. Isso provavelmente é motivado pelo hábito desse público de beber café ao longo do dia, em vez de apenas pela manhã ou início da tarde.”

É claro que há algumas condições médicas e nutricionais da gestante e do bebê que podem levar à proibição de qualquer alimento que contenha o mínimo de cafeína, incluindo os cafés.  

A médica Renata resume: “Geralmente quando é identificada alguma condição clínica que afete o crescimento saudável do bebê ou que leve a mãe a um risco maior de parto prematuro”. Por isso, é essencial um acompanhamento individualizado e sempre cuidadoso de uma equipe integral de saúde durante a gestação.

A proibição é exceção. Para a maioria dos casos, especialmente entre as mamães coffee lovers, o impacto emocional de se manter hábitos prazerosos na gravidez, como a pausa para o cafezinho (e não a pausa no cafezinho!) parece fazer muito mais bem do que mal. “A alimentação, especialmente em um momento tão especial como a maternidade, não é só um ato de nutrir. Mais do que os aspectos fisiológicos e nutricionais, envolve o social e o afetivo”, lembra Maristela.

café descafeinado

Ao passarmos, cuidadosamente, em um belo filtro, todas as informações que temos hoje sobre a polêmica gravidez e café, portanto, o que extraímos são as boas e já conhecidas doses de moderação, equilíbrio e bom senso. Tudo o que os especialistas procuram recomendar em qualquer situação em que se busque uma alimentação e um estilo de vida mais saudável. 

No caso da gestação, e de todas as condições de saúde envolvidas e únicas a cada gestante, mais do que boas conversas e muita leitura sobre o assunto, o acompanhamento e as indicações da equipe médica sempre serão as melhores pedidas.   

Créditos: Chait Goli (destaque); reprodução Twitter Madeline Odent; Gaelle Marcel (mão e xícara com tecido); Sam Lion (mulheres); Najib Kalil (Chemex); Zoe G (xícara na mão e blusa); Natanja Grun (latte art); Demi Deherrera (copo).

PDG Brasil

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