A união da cerveja com café: as duas bebidas mais amadas pelos brasileiros
Cerveja e café são paixões nacionais e os números do consumo de ambas no Brasil não deixam espaço para dúvidas. Somos hoje o 3º maior consumidor de cervejas em volume e um dos 30 maiores em seu consumo per capita ao ano em todo o mundo, além de sermos o 2º maior consumidor de café em volume e 14º per capita em nível mundial. Além disso, o brasileiro gasta em média 15% do salário-mínimo com cerveja e coloca o café à frente até mesmo da célebre dupla arroz e feijão entre os alimentos mais lembrados de seu dia a dia.
O PDG Brasil conversou com duas beer sommeliers e mais alguns cervejeiros e torrefadores de café envolvidos em projetos que unem café e cerveja com sucesso, entregando aos consumidores produtos que agradam aos apreciadores tanto de uma bebida, quanto da outra.
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Cerveja e café: interações e harmonizações
Bia Amorim, experiente beer sommelier, publisher da Farofa Magazine e organizadora do livro Guia da Sommelieria de Cervejas, conta que os sabores do café interagem muito bem com as notas de malte e outros itens que compõem normalmente uma receita de cerveja. “Quando há maltes mais torrados, o café entra numa combinação por semelhança, ressaltando seus atributos. Quando há uso de maltes claros, o café vem em contraste e promove equilíbrio na harmonização. É preciso considerar também de que forma o café será usado. O uso dos grãos torrados resulta em bebidas diferentes quando comparadas com as que levam o grão cru ou a bebida já pronta. Cada variável conta, inclusive a etapa da fermentação em que ele é adicionado. Dependendo da forma e do momento da adição, as notas podem ser de caramelo, chocolate ou até mesmo florais ou cítricas.”
Existe ainda a possibilidade de cervejas e cafés interagirem de outra forma, como parte de receitas de drinques. Nesse sentido, Bia acrescenta: “A interação então vai depender dos outros ingredientes e também do estilo de cerveja escolhido. As possibilidades são muitas e criam coquetéis únicos. Cervejas com notas cítricas combinam muito bem, as mais frutadas precisam de certa cautela assim como as cervejas mais amargas. O segredo é entender com quais outras bebidas as misturas vão se juntar, um bom uísque, vodca, cachaça, licor etc. É como fazer uma harmonização com um prato. É preciso conhecer e entender cada ingrediente e qual será seu papel no conjunto”.
Carolina Oda, também beer sommelier e uma das professoras do curso de Sommelier de cervejas oferecido pelo Science of Beer Institute, igualmente defende que cerveja e café podem gerar interações muito agradáveis ao paladar dos apreciadores de ambas as bebidas, ainda mais considerando que os sabores e aromas de cada café são únicos. “O café vai participar da receita deixando notas de acordo com as que ele próprio tem. Os grãos têm propriedades muito complexas que abrem as portas para um universo amplo. Geralmente as cervejas que trazem café em sua composição são as que possuem maior presença dos maltes no sabor, mas nada impede que receitas mais inusitadas sejam criadas a partir do desejo de se explorar outros atributos”.
Produtores e torrefadores de café que se aventuram na cervejaria
Na cidade de Paraisópolis, em meio às montanhas da Serra da Mantiqueira ao sul do estado de Minas Gerais, está localizada a Fazenda Santa Terezinha, hoje administrada por Fabrício Almeida, filho do vencedor do primeiro concurso Cup of Excellence Brazil, Paulinho Almeida (já falecido). Ali hoje está instalada a Zalaz, que abriga além da torrefação de café uma cervejaria artesanal, sintetizando as paixões de Fabrício, que em cada safra opta por incluir o café em ao menos uma das receitas de cerveja disponíveis.
A aceitação das experiências unindo a fermentação do malte com lúpulo e cafés especiais vem sendo muito boa, principalmente no caso das cervejas escuras – mas não se resumindo a elas. “A questão é que todo mundo espera aquele sabor marcante que todos identificam como sendo ‘de café’. E tem várias cervejas que não vão para esse perfil, porque são muitos os fatores envolvidos para determinar de que forma o café vai ser notado na bebida e a nossa intenção é explorar todas as potencialidades sensoriais.”
Outro exemplo são os curitibanos da torrefação e loja on-line Moka Clube, que estabeleceram parceria com duas cervejarias conterrâneas – a Fumaçônica, de Mario Kleina, e a Ignorus, representada por Marcelo Popi – para desenvolverem a Coffee Shop IPA. Hugo Rocco, diretor da torrefação, conta que o público das duas bebidas é parecido, composto por apreciadores de boas experiências e sabores. Nesse sentido, Mario acrescenta: “Em geral as pessoas associam cervejas com café às escuras, pesadas e com alto teor alcoólico, típicas de inverno. Daí veio a nossa proposta de desenvolver uma cerveja que fosse clara, equilibrada, refrescante e contasse com uma presença marcante de café, para ir na contramão desse raciocínio mais simplista”.
A aceitação da Coffee Shop IPA está acima das expectativas, segundo Hugo. “A curiosidade dos apreciadores das duas bebidas é enorme. O que era pra ser só uma edição especial já está na quinta batelada. Esse projeto entrou em definitivo em nosso portfólio e não sai mais”, comemora. Nesse sentido, Marcelo acrescenta: “O público que pede essa cerveja é de cervejeiros de plantão que não deixam passar uma novidade sequer e até marinheiros de primeira viagem, mas quem realmente se empolga e é fã mesmo são os apreciadores de um bom café. De um jeito ou de outro, cervejas com café vieram pra ficar por aqui. Vamos dar um jeito de sempre trazer alguma novidade com essa mistura que provou ser um grande sucesso”.
Cerveja, café e novas conexões
A Cervejaria Dádiva apresenta em seu catálogo alguns rótulos com a presença de café na composição, mas uma das cervejas que mais chama atenção pelo diálogo que faz com a bebida mais consumida no mundo depois da água é a Hoppy Breakfast, um rótulo concebido para ser apreciado como um item de café da manhã. Luiza Tolosa, diretora da Dádiva, conta que a ideia foi usar aveia como protagonista, por conta da maciez que ela entrega à cerveja, ao mesmo tempo em que a adição de maltes agrega robustez, resultando em algo com paladar equilibrado e que faz sentido na primeira refeição do dia.
“A Hoppy Breakfast tem a característica de ser bem balanceada e envolvente e isso é algo que a gente busca desde os primeiros testes. A receita já conta com três versões disponíveis e acreditamos que podemos avançar ainda mais nessa experiência, que por conta de sua cremosidade e corpo aveludado pode ser vista como um cappuccino em forma de cerveja”, diz Luiza, que acrescenta: “A filosofia da Dádiva é de sempre se reinventar e trazer experiências surpreendentes a quem busca nossos rótulos”.
Outra cervejaria que usa o café de forma inusitada em suas formulações é a UX Brew, cujo nome remete ao conceito de User Experience (experiência do usuário, em inglês) e tem como um dos destaques de sua produção a Coffmaru, uma Russian Imperial Stout que além do café conta com cupuaçu e cumaru em sua composição. A empresa é uma das que compõem o hub cervejeiro Startup Brewing Co., que além de abrigar cervejarias iniciantes, também conta com programas de parcerias e investimento, bem como oferece a elas prestação de serviços de marketing, departamento comercial, logística e armazenamento.
A cerveja tem como principais características a complexidade de suas notas, que remetem a madeiras e baunilha abrilhantadas pela pungência do cupuaçu e pelo aroma marcante do café, segundo Gustavo Sanches, diretor comercial da UX Brew. Segundo ele, “O contraste do aroma do café com o do cupuaçu, dialogando com as notas dos maltes tostados, traz contornos bastante ousados e essa experiência que propomos vem sendo bem aceita pelos apreciadores de cervejas artesanais, passando pelos ‘beer geeks’ e chegando aos apaixonados por cafés especiais tanto no Brasil quanto no exterior”.
Além das experiências puramente gustativas, o turismo também serve como elo entre essas duas bebidas tão admiradas pelo país. Como exemplo, temos as cidades capixabas da Serra do Caparaó, na fronteira com Minas Gerais, que contam agora com um projeto cujo objetivo é estabelecer uma rota turística unindo as propriedades rurais que são origem de cafés especiais às de cervejas artesanais, já que ambas as atividades ocupam lugar de destaque na economia local e devem trazer bons resultados à região com o crescimento do turismo rural e gastronômico.
De uma forma ou de outra, é possível perceber que a relação entre o universo das cervejas artesanais e o dos cafés especiais pode render oportunidades de negócios inovadores, além de sabores e aromas instigantes. E, a julgar pelos números envolvidos, ainda há muito espaço para que os apreciadores de ambas as bebidas possam se aventurar na descoberta de novas conexões.
Créditos: Divulgação – Moka Clube (destaque e IPA); Hugo Bataglion (Bia Amorim); arquivo pessoal Fabrício Almeida; Claus Lehmann (Luiza Tolosa); Divulgação – StartUp Brew e UX Brew; Divulgação – Zalaz (cerveja e saca).