Bourbon rosa: um novo queridinho entre os cafés especiais?
Não é segredo que o setor de cafés especiais adora variedades novas e emocionantes de arábica – e isso é mais notável em competições. Durante a rodada final do World Barista Championship de 2023, dois concorrentes usaram a variedade bourbon rosa. Conhecida por sua leve tonalidade rosa e perfil de sabor complexo, o interesse por essa variedade vem crescendo há algum tempo.
Há, no entanto, muito pouca informação verificada disponível sobre as origens do bourbon rosa. E isso restringe nossa compreensão dessa variedade única. Mas como cada vez mais torrefadores e cafeterias começaram a oferecer esta variedade nos últimos anos, poderíamos dizer que ela tem potencial para atingir a mesma relevância que o Gesha ou outras variedades semelhantes conseguiram?
Para saber mais, conversei com Rodrigo Sanchez Valencia, produtor da Finca Monteblanco e da Aromas del Sur, Boram Um, sócio da Um Coffee Co. da Fazenda Um e campeão do WBC 2023, e Isaiah Sheese, proprietário da Archetype Coffee. Continue lendo para saber o que eles têm a dizer.
Você também pode gostar do nosso artigo sobre a variedade Ombligon.
O que é e de onde vem essa variedade?
Como muitas outras variedades ou espécies de arábica novas ou “redescobertas”, a origem exata do bourbon rosa é desconhecida. De acordo com Rodrigo, produtor e proprietário da cooperativa colombiana Aromas del Sur e conhecido por ajudar a difundir a variedade bourbon rosa, acredita-se que esse café seja nativo do sul de Huila, na Colômbia. Mais precisamente na área de San Adolfo, no município de Acevedo, durante a década de 1980.
“Não há informações confirmadas sobre suas origens específicas. Quando a ferrugem da folha de café (la roya) apareceu pela primeira vez na região na década de 1980, mais produtores começaram a cultivar essa variedade sem saber porque era resistente à doença – e era altamente adaptável ao seu ambiente e produzia maiores rendimentos”, ele diz.
“Fomos um dos primeiros produtores a cultivar o bourbon rosa em produção comercial, então nos propusemos a encontrar outros agricultores que estavam cultivando quantidades menores e desconheciam seu potencial de qualidade”, acrescenta.
Desfazendo mitos anteriores sobre o bourbon rosa
É comum ouvir que o bourbon rosa é um híbrido natural das variedades de bourbon vermelho e amarelo. No entanto, pesquisas recentes provavelmente refutaram essa teoria. A Café Imports publicou um artigo ao final de setembro de 2023 afirmando que, após a realização de testes genéticos em parceria com a RD2 Vision, é provável que o bourbon rosa tenha vindo de uma variedade etíope.
No entanto, é importante notar que esta pesquisa não foi cientificamente comprovada, portanto, a origem exata e a herança da variedade não são certas.
Cultivando o bourbon rosa
Mesmo em condições ambientais ideais, o crescimento do bourbon rosa é desafiador. Os produtores não apenas precisam manter meticulosamente as plantas, mas também devem isolá-las de outras variedades para garantir uma polinização cruzada bem-sucedida.
Rodrigo, por sua vez, diz que a resiliência e a produtividade do bourbon rosa são benéficas. “Até o momento, não temos conhecimento de nenhuma doença a que seja suscetível”, explica ele.
Boram é o campeão mundial de baristas de 2023 e usou o bourbon rosa de sua fazenda no Brasil em sua rotina vencedora. Ele diz que sua experiência em cultivar essa variedade é muito diferente da de Rodrigo – possivelmente devido a diferentes terroirs no Brasil e na Colômbia. “O bourbon rosa é muito suscetível a certas doenças e fungos, e é por isso que o cultivamos em um ambiente controlado e seguro”, afirma.
Isaiah Sheese ficou em quarto lugar no World Barista Championship de 2023 e também usou o bourbon rosa. Ele diz que notou diferenças sutis nas características físicas da variedade. “Algumas cerejas são mais longas e mais finas, como Gesha ou variedades crioulas etíopes”, explica. “No entanto, também vimos cerejas que são mais redondas e, portanto, mais densas – o que pode ser resultado de crescer em locais mais elevados.”
Um dos traços mais distintivos da variedade, é claro, é sua leve tonalidade rosa. “As cerejas são laranja ou cor de salmão”, diz Rodrigo. “As plantas também têm folhas mais alongadas, de cor verde-clara ou verde-amarela. As folhas mais novas são mais alaranjadas.”
Como é o sabor?
O bourbon rosa não se destaca apenas por suas cerejas de cores marcantes, mas também por seu perfil de sabor doce e complexo. “Geralmente é mais ácido – como sabores de frutas cítricas – com notas delicadas de flores brancas e doçura semelhante ao mel”, diz Boram.
Isaías concorda, dizendo: “O bourbon rosa geralmente tem xícaras semelhantes às dos etíopes lavados ou das geshas panamenhas – com notas florais, limonada rosa, flor de madressilva e jasmim, e uma textura sedosa muito elegante.”
Rodrigo, por sua vez, costuma pegar mais notas de degustação tropical. “É um café muito complexo, com sabores de pêssego, mamão e melão, além de notas mais florais, como jasmim, rosa e chá verde”, diz ele. “É um café muito equilibrado em termos de corpo e acidez.”
Usando diferentes técnicas de processamento para realçar sabores específicos
Semelhante a outras variedades, a escolha de métodos de processamento específicos pode ajudar a destacar ainda mais o bourbon rosa. Rodrigo explica que descobriu que as cerejas bourbon rosa contêm maiores quantidades de açúcar (ou têm um nível Brix mais alto) do que outras variedades, o que as torna adaptáveis a diferentes métodos de processamento.
“Podemos usar uma gama diversificada de técnicas de processamento, desde métodos convencionais até processos mais exclusivos, como fermentações a frio e choque térmico”, diz ele. “Pessoalmente, em termos de melhorar a complexidade, prefiro usar fermentação a frio.”
Para Boram, o perfil de sabor destacado da variedade funcionou bem com a fermentação anaeróbica – o que o levou a escolhê-la para sua rotina de WBC. “Descobri que os métodos de processamento de fermentação anaeróbica trazem seu melhor potencial, mas o fator-chave é secar as cerejas adequadamente”, diz ele. “Secamos lentamente o café em uma sala escura controlada por temperatura e umidade, sem luz UV. Em seguida, conseguimos destacar mais as notas doces, florais e de mel”, acrescenta. “O bourbon rosa é uma variedade relativamente nova no Brasil; por isso, é importante que mais produtores tentem cultivá-lo também.”
Para seu desempenho no World Barista Championship, Isaiah usou um bourbon rosa adquirido por um produtor (Lucy Galindez, da Finca Bella Vista, na Colômbia) e depois processado por outro (Diego Bermudez, da Finca El Paraíso). Diego é bem conhecido por criar o processo de choque térmico. “Sempre amamos o Bourbon Rosa totalmente lavado”, diz Isaiah. “Mas quando provamos, usando a fermentação de choque térmico de dois estágios de Diego, as notas de sabor estavam ainda mais elevadas. Ficamos impressionados.”
Torrando o bourbon rosa
Com os torrefadores oferecendo cada vez mais variedades únicas, eles geralmente precisam ajustar seus perfis de torrefação de acordo para obter os melhores resultados – e o bourbon rosa não é exceção.
Isaiah trabalhou com sua equipe no Archetype Coffee para torrar seu café de competição, que era torrado para café espresso. “Em comparação com o bourbon Rosa lavado, o método de processamento de choque térmico de dois estágios definitivamente muda como este café reage ao calor durante a torrefação – é semelhante a um café de processo natural. Embora os cafés lavados geralmente exijam uma abordagem mais agressiva e direta, você precisa ser mais gentil ao torrar o café processado por choque térmico”, diz.
“Além disso, usamos o Stronghold S7 para torrar meu café de competição, que é um estilo de torrador muito diferente de uma máquina de tambor tradicional, porque também inclui uma fonte de calor alimentada por halogênio”, acrescenta ele.
Boram também teve que ajustar sua técnica de torrefação para seu bourbon rosa brasileiro – o que ele explica ser, na maioria das vezes, devido a diferentes condições climáticas. “Os cafés no Brasil são geralmente cultivados em altitudes mais baixas em um tipo diferente de terroir, então tendem a ser menos densos”, diz ele. “Então, torramos o café por mais tempo usando temperaturas mais baixas para garantir que ele se desenvolvesse adequadamente.”
O mercado para essa variedade pode crescer nos próximos anos?
Está claro que o potencial de mercado do bourbon rosa é enorme, com o interesse nessa variedade aumentando constantemente ano após ano. Mas, considerando que alguns agricultores enfrentam uma série de desafios quando se trata de escalar a produção, é possível que não vejamos a variedade em tantos cafés e torrefações como gostaríamos nos próximos anos.
Rodrigo, no entanto, está esperançoso que o bourbon rosa tenha um lugar permanente no setor de cafés especiais colombianos. “O bourbon rosa continuará sendo uma das variedades mais importantes do nosso mercado”, diz ele. “Estamos orgulhosos de sermos os pioneiros no cultivo deste café.”
Boram também acredita que o sucesso que Rodrigo e outros produtores colombianos experimentaram com essa variedade poderia ajudar a aumentar sua produção – assim como em outros países. “Dado que a Colômbia produz bourbon rosa de alta qualidade, espero que isso aumente o interesse das pessoas por essa variedade, inclusive no Brasil”, conclui.
O café especial está sempre à procura da variedade mais atraente no momento e, agora, mais do que nunca, há muitas opções para escolher.
O bourbon rosa é atraente por uma série de razões, incluindo seus perfis de sabor complexos e desejáveis. Como resultado, certamente há potencial para que essa variedade se torne a nova queridinha do café especial – mas isso pode levar algum tempo.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre a variedade Typica Mejorado.
Créditos das fotos: World Coffee Events, Specialty Coffee Association, Aromas del Sur
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil.
Quer ler mais artigos como este? Assine nossa newsletter!