Cafés com infusões – parte 2: respondendo a algumas perguntas frequentes
Há algumas semanas, publicamos um artigo sobre cafés com infusões em parceria com o barista e especialista em fermentação Saša Šestić. Ele recebeu um grande número de comentários e perguntas nas redes sociais. Depois de refletir sobre algumas delas, é fácil perceber que se trata de um tema polêmico para todo o setor.
Para responder a algumas das perguntas mais frequentes e continuar a conversa sobre o tema, Saša elaborou outro artigo. Aqui, ele explica mais sobre os cafés com infusões e seus objetivos para o setor.
Continue lendo para se aprofundar mais sobre os cafés infundidos, o que você pode considerar como cafés com infusões e por que eles podem ser benéficos para alguns produtores, torrefadores e cafés.
Antes de ler isso, verifique nosso artigo anterior sobre Qual é o problema dos cafés com infusões?
Iniciando a conversa
Vamos começar pelo princípio: esta discussão sobre cafés infundidos está apenas começando, e cada experiência, opinião e pergunta que você compartilhar ajuda a continuar essa conversa.
Para esse fim, preciso esclarecer minha opinião sobre os cafés com infusões: desde que sejam claramente rotulados e transparentes, eles são um novo e estimulante caminho a ser seguido pelas partes interessadas do setor.
No entanto, esses aromatizantes adicionados não são uma expressão do domínio inerente do processo de cultivo e torrefação do café. Portanto, eles não são permitidos nos campeonatos Cup of Excellence, Best of Panama, Nacionais e Mundiais de Baristas e Brewers Cup.
Mas isso imediatamente levanta outra questão: o que deve ser considerado café com infusão? E quanto à adição de frutas durante ou após a fermentação? Ou o armazenamento de café verde em barris?
No futuro, espero que a conversa sobre os cafés com infusões seja fluida. Prevejo que a conversa mudará e evoluirá à medida que aprendermos mais sobre suas complexidades. Mas também devo reconhecer que há coisas que atualmente não sei e que mais pesquisas e discussões são necessárias.
Como resultado, usarei as descobertas desses artigos e de pesquisas externas para desenvolver um kit de ferramentas para trabalhar com cafés infundidos. Uma será uma ferramenta de educação sensorial, enquanto a outra será uma plataforma analítica projetada para detectar cafés em infusões.
Novamente, embora os cafés com infusões em si não sejam um problema, meu foco aqui é a clareza e a consistência. Acredito que isso será necessário para estabelecer a referência em cafés especiais para as novas gerações.
No setor mais amplo de alimentos e bebidas, você pode adicionar o que quiser a um produto, desde que seja legal, não seja prejudicial e seja declarado de forma transparente na embalagem. Continua sendo uma prática comum adicionar aromatizantes, novos ingredientes, aditivos alimentares ou auxiliares de processamento.
No entanto, também existe um código de conduta que rege como devemos rotular os produtos. Isso especifica quando você precisa declarar aditivos e quando não. Tudo o que acredito é que precisamos adaptar isso também para a indústria do café.
Será que gosto de cafés com infusões?
Tenho sido muito questionado sobre isso nas últimas semanas. Muitas pessoas podem ter a impressão de que tenho problemas com cafés com infusões, o que não é o caso. Meu problema é com a transparência dos cafés com infusões.
Em 2015, eu mesmo usei “café infundido” quando ganhei o Campeonato Australiano de Baristas. Por quatro semanas, deixei o café Sudan Rume em um barril de carvalho francês para infundi-lo com um novo sabor para minha bebida exclusiva. Esse café envelhecido em barris foi usado apenas como ingrediente de uma bebida exclusiva.
Mais recentemente, o ONA Coffee apresentou um café inspirado no biscoito de gengibre como parte de sua mistura Winter Wonderland. Para obter aquela nota de gengibre, adicionamos alguns bitters de gengibre a um barril de carvalho francês e deixamos secar antes de adicionar o café. Rotulamos esse café como envelhecido em barris, para que os consumidores fiquem atentos.
Acredito que as bebidas com café em infusões costumam ser uma porta de entrada fácil para os consumidores aprenderem mais sobre cafés especiais. Não quero falar de infusão em café como algo “tabu”, nem quero limitar a experimentação com ele.
Na verdade, existem vários benefícios que os cafés infundidos podem ter para produtores e consumidores:
- Os produtores que cultivam café de qualidade inferior – que, de outra forma, teriam preços mais baixos – podem agregar valor por meio da infusão;
- Os produtores com frutas, flores ou ervas crescendo em sua fazenda podem agregar valor à sua safra por meio da infusão e ser mais sustentáveis com o consórcio;
- Alcançar novos segmentos de consumidores pode aumentar o tamanho do mercado geral de café e fazer com que mais pessoas bebam café;
- O café infundido também pode introduzir sabores novos e distintos aos mercados que, de outra forma, não estariam abertos ao café. Muitas pessoas começam a tomar café com açúcar, adoçantes ou xaropes, mas a infusão nos dá outra opção;
- Os cafés infundidos podem funcionar bem como um componente de coquetéis e mocktails (drinques sem álcool).
O que é classificado como infusão?
No último artigo, essa era uma área cinzenta. Onde traçamos a fronteira? Quando o café é infundido e quando pode ser considerado “autêntico”?
Depois de discutir mais detalhadamente com as equipes do Cup of Excellence, consultar as regras do World Coffee Events, conferenciar com cientistas, aprender com especialistas em rotulagem de alimentos e ouvir outros profissionais, aqui estão algumas respostas. Acho que isso nos ajudará a desenvolver um código de conduta para a rotulagem de cafés infundidos na indústria de cafés especiais.
Cafés com infusões
Então, o que devemos considerar café com infusões?
Tudo se resume à adição de ingredientes e condimentos. Podem ser óleos essenciais, especiarias, ácidos, ervas, frutas, vegetais ou qualquer outro ingrediente que acabe no copo final depois de preparado. Isso pode acontecer durante a fermentação, nos pátios de secagem, no armazém, ou durante o armazenamento, em barricas aromáticas.
O café não precisa ser infundido apenas quando está verde. Pode ser infundido após a torrefação ou quando o café estiver moído.
Por exemplo, se adicionarmos aroma de água de rosas ao café durante qualquer estágio do processamento e, em seguida, provarmos a água de rosas no café final, ele pode ser considerado aromatizado ou em infusão. Da mesma forma, se adicionarmos ácido tartárico e descobrirmos que a acidez tartárica está presente nas notas finais do café, ele é infundido.
No entanto, se adicionarmos ácido cítrico para apoiar a fermentação, e esse ingrediente não estiver presente no produto final e não puder ser degustado, isso é um auxílio ao processamento. Portanto, não precisa ser declarado – novamente, prática padrão na indústria de alimentos e bebidas.
Podemos detectar esses fatores pelos compostos do aroma que estão presentes, pelos componentes na matriz do óleo ou ambos. Qualquer adição de aromatizante durante a fermentação que se transfira diretamente para os compostos aromáticos do café verde, sobreviva à torra e ainda termine na xícara deve ser considerada infusão.
Não estamos de forma alguma culpando os agricultores, mas, claramente, essa discussão é crítica e precisa ser levada ao centro de tudo para todos os que se preocupam com o café. Precisamos discutir como abordaremos isso daqui para frente.
Experimentos de fermentação
Para quem não está familiarizado com a fermentação do café, aqui está um rápido resumo. A fermentação do café é impulsionada por enzimas que ocorrem naturalmente na cereja do café, enquanto as leveduras e as bactérias decompõem os açúcares da mucilagem.
Existem milhares de espécies de leveduras e bactérias que vivem em frutas, flores, solo e até mesmo no ar. Esses diferentes microrganismos prosperam em diferentes condições, como em temperaturas quentes ou frias e ambientes anaeróbicos ou aeróbicos. Alguns são considerados negativos, enquanto outros são considerados positivos.
Por causa dessas diferenças, a maneira como fermentamos cafés no Brasil seria diferente de como faríamos na Etiópia. Isso ocorre porque precisamos considerar os diferentes climas e condições.
Darrin Daniel, do CoE, afirma que, de acordo com seus padrões, microrganismos que não fazem parte da microflora também devem ser considerados um auxiliar de processamento. Portanto, mesmo se usarmos culturas iniciais de leveduras e bactérias ou enzimas, isso é considerado um auxiliar de processamento e, portanto, não precisa ser declarado, de acordo com a legislação de rotulagem de alimentos.
Vejamos a indústria do queijo como exemplo. Cerca de 90% do queijo é feito com micróbios inoculados. A informação sobre quais espécies são utilizadas não está disponível no rótulo e, além disso, não precisa ser declarada, pois se trata de um auxiliar de processamento.
Porém, quando o queijo é feito com trufas, essa informação é divulgada e impressa no rótulo, visto que a trufa é um ingrediente que é adicionado separadamente e não como auxiliar de processamento.
Em contraste, para um queijo ser classificado como Parmigiano Reggiano, ele deve vir de determinadas regiões da Itália e conter apenas alguns micróbios selvagens aprovados que são encontrados nessa região específica. Adicionar outros insumos ou sabores externos significará que será recusada uma denominação de origem.
Processando café com frutas
Essa é uma área um pouco mais complexa. São necessárias mais pesquisas e o esclarecimento de cientistas de alimentos, especialistas em legislação de rotulagem de alimentos e especialistas da indústria. Em última análise, se o café é processado com frutas, ele pode ser classificado como infundido ou como um auxiliar de processamento, dependendo de como é usado precisamente.
Frutas como auxiliar de processamento
Na fermentação, os produtores às vezes adicionam frutas para apoiar a reação enzimática. Frutas também podem ser adicionadas para apoiar a fermentação com leveduras, bactérias e açúcares.
Se, ao final da fermentação, não houver restos da fruta que sobrou no produto final (grão verde), pode-se considerar um auxiliar de processamento e não precisa ser declarado a menos que seja um alérgeno.
Por exemplo, se adicionarmos abacaxi na fermentação, ele adiciona novos micróbios e açúcares, que são usados durante o processo de fermentação. Quando estiver pronto, o abacaxi estará consumido e não estará mais presente.
Isso leva à formação de diferentes compostos aromáticos que não estariam presentes sem o abacaxi, mas como o abacaxi não está presente no produto final, ele é um auxiliar de processamento; não uma infusão.
Usando frutas para dar sabor
Porém, se adicionarmos frutas ou ingredientes externos durante o processamento, e eles permanecerem presentes no produto final, esse pode ser considerado café aromatizado ou infundido.
Vamos dar um exemplo. Trabalhamos com Rodrigo Sanchez (produtor) e Vicente Mejia (exportador de café e fundador da Clearpath Coffee).
Com um dos seus cafés, acrescentam frutas, ervas, especiarias, fermento e açúcar durante e após a fermentação, com o objetivo direto de realçar o sabor do café com esses ingredientes adicionados. Esse é um café infundido ou café com infusões.
Por exemplo, com seu café “lavado com cítricos”, eles usam laranja, tangerina, capim-limão, rapadura e fermento. Todos são adicionados durante e após a fermentação para dar sabor ao café.
O café claramente tem um gosto cítrico, e não com as notas cítricas que normalmente encontramos no café. Possui sabores de capim-limão e outros caracteres cítricos que foram introduzidos no café. Eles estão presentes no café e é rotulado como infundido.
A equipe da Clearpath é um exemplo perfeito de como devemos rotular e vender esses cafés. Dizem claramente quais são os ingredientes que adicionam aos cafés, e todos os lotes aromatizados que processam vêm com um certificado para esse fim.
Nesse caso, os cafés realmente usam o nome do ingrediente adicionado na embalagem; tais como processamento “lavado com cítricos” ou “lavado com maracujá”.
Como e por que um café infundido deve ser rotulado?
Qualquer café com infusões ou aromatizado deve ser rotulado. Por vários motivos:
- Transparência: Deve ficar claro que o café foi aromatizado ou infundido artificialmente, visto que, legalmente, esses aditivos precisam ser declarados;
- Segurança: Também deve ficar claro que o café foi infundido com equipamentos de qualidade alimentar em ambiente seguro e monitorado;
- Problemas com alérgenos: Alguns alimentos e ingredientes alimentares ou seus componentes podem causar reações alérgicas graves e, portanto, precisam ser declarados. Se usarmos alérgenos como auxiliares de processamento, isso também precisa ser declarado. Existem 14 alérgenos reconhecidos globalmente e outros que diferem de país para país;.
- Religião: Por exemplo, os países islâmicos que operam sob a lei da Sharia, como a Arábia Saudita e o Brunei, proíbem o consumo de álcool. Portanto, os cafés vendidos para esses países não devem usar álcool durante o processamento. Embora o álcool evapore durante a torrefação, ainda assim devemos declarar se o café é infundido ou envelhecido em barris com álcool;
- Outras razões: Quaisquer outras razões religiosas ou culturais em potencial (o café teve contato com produtos alimentícios não permitidos, por exemplo?).
O que vem a seguir?
Nosso objetivo é incentivar o trabalho para iniciar um código de conduta para rotulagem de café. Enquanto isso, estou ansioso para organizar a educação sensorial. Muitos profissionais do café comentaram o artigo anterior, dizendo que gostariam de ter essa oportunidade.
Meu objetivo é tirar o café da mesma fazenda e da mesma variedade, e mostrar como o perfil da sua xícara difere com o processamento lavado, natural, quando adicionamos fermento, bactéria ou enzimas, com frutas, com temperos e com óleos essenciais.
Para esse fim, irei realizar um cupping ao vivo em breve para guiar as pessoas em um evento divertido e educacional para ajudar a aprimorar suas habilidades de degustação e ajudá-las a identificar os cafés com infusões.
Os lucros com o evento serão destinados a estudos de padronização e teste de cafés infundidos. Neste momento, precisamos de todos os especialistas do setor para iniciar um processo que pode levar a algum tipo de consenso.
Nesse ínterim, também desenvolveremos uma plataforma para detectar a adição direta de compostos aromáticos. Também aceleraremos a pesquisa para entender melhor o papel dos microrganismos na fermentação.
De todas as perguntas que recebi nas últimas semanas, talvez a mais importante seja simples: de quem é a responsabilidade de garantir que o café com infusões se torne mais transparente no futuro?
Eu realmente acredito que isso depende de todos nós. Como profissionais do café, sejam produtores de café, compradores de grãos verdes, torrefadores, baristas, cientistas do café, microbiologistas ou juízes, temos a responsabilidade de garantir que outras pessoas saibam quando um café foi infundido artificialmente.
Esse é um assunto delicado que acredito que precisa ser administrado de forma eficaz. Não devemos apontar o dedo uns para os outros, mas sim trabalhar juntos para padronizar essa nova categoria adequadamente. Também precisamos mostrar muito respeito aos produtores de café e a todos os envolvidos. É assim que avançamos, não apenas como indivíduos, mas como uma indústria, juntos.
Créditos das fotos: Saša Šestić
Tradução: Daniela Andrade.
PDG Brasil
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