Turismo em fazendas de café especial no Brasil
O turismo em regiões produtoras de café no Brasil é resultado de muitas mudanças no mercado cafeeiro. Conhecer variadas xícaras, cafeterias, operações e baristas, tornou-se um mundo pequeno para os coffee lovers brasileiros, afinal moramos no país que mais produz café no mundo. Por isso, o turismo em fazendas de café especial está ganhando novos contornos.
O PDG Brasil conversou com pesquisadoras sobre o movimento rural que se entrelaça ao turismo, além de profissionais que constroem projetos e guiam pessoas de diferentes áreas para desbravar o mundo do café.
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O café para além da xícara
Você certamente já ouviu algum “causo” de alguém relembrando doces lembranças associadas com muito carinho ao café. Em nosso país, essa construção cultural aconteceu de maneiras diversas, em regiões variadas, considerando que o Brasil é um país tão multicultural e rico geográfica e climaticamente.
E foi a partir dessas memórias e vivências, ricas pelas diferenças que se somam quando se encontram, nasceu o projeto TerroirTUR – Turismo, Enoturismo, Gastronomia, Patrimônio do Vinho e Desenvolvimento, vinculado à Universidade Federal do Paraná, sob coordenação do professor Doutor Vander Valduga.
Foi criado em 2013, com a proposta de ampliar o debate e pesquisa nos temas agroalimentares ligados ao turismo.
Atualmente existe um subgrupo desse projeto focado em café, carinhosamente apelidado de Terroir Café, composto pelas pesquisadoras Alini Nunes de Oliveira, Beatriz Carvalho Tavares, Eduarda Cividini Pagnussat e Sarah Marroni Minasi, com quem o PDG Brasil teve a oportunidade de se conectar nesta pauta.
Alini é membro do grupo desde 2019, quando ingressou no Programa de Pós-Graduação em Turismo como pós-doutoranda. Atualmente, Alini é também professora do Instituto Federal de Mato Grosso. Em meados de 2020 iniciou um levantamento bibliográfico sobre café e turismo que a fez perceber que pouco se pesquisava sobre o tema.
Nascida e criada no Norte do Paraná, região de cafeicultura como forte atividade econômica por décadas, e que apresenta em suas paisagens marcas dessa história, seja por meio das lavouras e das edificações quanto também do patrimônio cultural imaterial, aquele não palpável, mas não por isso menos importante.
Beatriz conheceu o grupo em um evento de pesquisas sobre turismo de café e logo se interessou pela proximidade com sua pesquisa de mestrado em Turismo. Seu interesse pelo café surgiu ainda na faculdade de Gastronomia.
“Fiz alguns cursos de barista e tive experiências profissionais para me aproximar da área. Quando finalizei a graduação, desejava seguir os estudos do mestrado tendo o café como foco. Meu encantamento com a região do Caparaó acabou orientando o recorte geográfico da dissertação sobre o território, gastronomia e protagonismo dos produtores no turismo de café local.”
Sarah é professora da Universidade Federal de Rio Grande no Instituto de Ciências Humanas e Informação e professora no Programa de Pós-Graduação em Turismo na Universidade Federal do Paraná. Ingressou no TerroirTur em 2019 com pesquisas voltadas à paisagem cultural e hoje é vice-líder do grupo.
“Eu já conhecia um pouco sobre cafés especiais e sempre tive curiosidade para experimentar cafés de lugares diferentes e em lugares diferentes, que foi a minha motivação para pesquisar turismo e ter contato com outras pesquisadoras do tema.”
Impacto da pandemia
É indiscutível que a pandemia tenha afetado a todos, em contextos variados. Para as pesquisadoras, não poderia ser diferente.
No TerroirTUR a pesquisa voltada ao turismo de cafés se iniciou de forma mais organizada em 2020, já dentro do contexto da pandemia com atividades presenciais suspensas (o que inclui reuniões, visitas a campo etc.).
Não existe apoio financeiro até o momento. As pesquisadoras integrantes residem em cidades diferentes, portanto todo trabalho está sendo realizado em home office (desde a pesquisa bibliográfica e documental, aplicação de questionários, até a organização e participação em eventos para disseminação do tema).
Já para quem atua de maneira prática em campo, imagine as mudanças que não tiveram que adaptar em suas dinâmicas e logísticas dos passeios turísticos. Na verdade, tiveram que ser tomadas muitas decisões, um momento de colocar em prática a filosofia e propósitos intrínsecos em seus projetos.
Para Gabriel Guimarães, barista consultor e controle de qualidade pela Unique Cafés, também linha de frente do projeto turístico Rota do Café Especial, a palavra sobre esse momento foi “desafiador”. “Exigiu muita reflexão e certamente o turismo foi um segmento bastante afetado.”
“Ao mesmo tempo o turismo interno cresceu, pois, quando pandemia limitou a saída dos brasileiros do país, surgiu esse interesse em conhecer melhor nosso próprio país, ajudando na quebra de alguns paradigmas, como por exemplo que o café bom era direcionado só para exportação.”
“Tivemos tempo para pensar em melhorias, novos produtos turísticos. E agora, com a retomada, seguiremos todas as normas do Estado, e começaremos um trabalho de solicitação de carteira de vacinação para seguirmos em frente.”
Conversamos também com Kelly Stein. A prestigiada jornalista, que já trabalha com café há quase 12 anos, é correspondente internacional de veículos nacionais e internacionais e criou o primeiro Podcast de café no Brasil e o primeiro bilíngue no mundo, o COFFEA.
Três meses antes de a Covid-19 se espalhar, ela lançou seu projeto irmão, o COFFEA Trips. Por estarmos vivendo uma pandemia, Kelly cancelou todos os passeios que estavam programados. Só seguiu adiante com roteiros pontuais e personalizados voltados para negócios. Para os roteiros de 2022, ela conta que serão protocolos obrigatórios: a carteira de vacinação, uso de máscaras o tempo todo, usar os espaços abertos a favor do roteiro, a fim de preservar os parceiros e as comunidades e fazendas que receberem o COFFEA Trips.
Panorama do turismo cafeeiro nacional
Segundo pesquisas do grupo Terroir Café, o ambiente rural atraiu mais olhares do turismo por possibilitar que algum movimento pudesse acontecer respeitando o distanciamento social em lugares abertos. Mesmo assim, existiram controvérsias sobre a segurança desses deslocamentos dos centros urbanos para as regiões produtoras pela possibilidade de transmissão do vírus.
Com a vacinação da população aumentando e a flexibilização dos deslocamentos, o interesse pela visita às regiões produtoras se manteve e já pode ocorrer com maior segurança. Nesse contexto, a projeção é que aumente o interesse por visitação a locais abertos, e essa é uma oportunidade incrível.
A pesquisadora Alini diz: “No geral, o que estamos percebendo com o avançar das pesquisas é um movimento de tornar as fazendas produtoras cada vez mais espaços didáticos, culturais e gastronômicos. Por mais breve e menos estruturada que seja, a visita na fazenda apresenta potencial muito além do recreativo por envolver as histórias de família, o conhecimento das regiões e o aprendizado sobre o café”.
“Aliado a isso, o Brasil apresenta grande diversidade de paisagens, climas e aspectos socioculturais perceptíveis nas 33 regiões produtoras de cafés. Ela se transfere para os processos e produtos finais, permitindo experiências diversificadas em cada roteiro.”
“É possível ter contato com cafés produzidos pelas mãos da agricultura familiar, cafés de altitude, lavouras sombreadas em consórcio com a mata nativa, cafés produzidos por comunidades indígenas e quilombolas, entre outras particularidades. Além também do turismo de café no ambiente urbano, opção viável e que alia novas experiências e aprendizado sobre café”, complementa Beatriz.
O turismo do café é reflexo de mudanças no mercado, como o encurtamento das cadeias de produção e consumo. A produção do café de qualidade impacta diretamente na sensibilização para o consumo consciente, político e a remuneração justa, aproximando produtores e consumidores, e atraindo o interesse em conhecer a origem e os processos destes produtos.
Na visão da pesquisadora Sarah, “independentemente de quem seja esse turista (coffee lovers, baristas, pesquisadores, donos de torrefações etc.), conhecer a origem dos produtos consumidos é uma experiência transformadora para quem realiza, mas também importante para quem oferece por dar voz aos próprios produtores sobre sua história, seu produto e suas relações”.
Turismo com foco social, político e cultural
Kelly tempera seus roteiros com conhecimentos específicos, depois de muita pesquisa, a fim de descobrir o “quê a mais” pode tirar de determinada história. E fala que “se café é apenas uma desculpa para a revolução socioeconômica e cultural, comecemos a nossa”.
O turismo de café não é novidade e já existe há muitos anos, mas o que se entrega ao visitante pode ser a inovação. Seu projeto, o Coffea Trips, é embasado por roteiros educativos de imersão, onde são pensadas atividades para o visitante viver o café na pele.
“O café é feito por pessoas, e isso ganha muita força com a interação pessoal, tão importante para furar a bolha do mercado nacional de café. É preciso atingir quem ainda não entende de café especial.”
Ela organiza também pequenos roteiros direcionados para baristas interessados em conhecer e viver um pouco a rotina das fazendas (o que pode acontecer de maneira personalizada ou não) ou visitas em feiras no exterior em feiras e eventos internacionais focados em café.
E existe o turismo de negócio, uma fatia importante de seu projeto, focada em atender associações ou cooperativas. Com sua experiência de relações públicas e marketing digital, é organizado o roteiro de acordo com a estratégia da empresa, feita uma curadoria profissional, no formato de um pacote totalmente personalizado.
“O turismo rural pode ser uma ferramenta de transformação social quando bem executado. Aos consumidores de roteiros desse tipo, fica a dica para questionarem os organizadores e a remuneração do produtor e dos envolvidos. O consumidor tem o poder do consumo e deve pensar bem sobre onde aplica esse poder e quem você escolhe fortalecer.”
O clássico roteiro cafeeiro
Para quem gosta de café não vai faltar o desejo de conhecer o movimento que acontece na principal região produtora do nosso país, Minas Gerais.
Gabriel, da Unique Cafés, conta que sempre foi visível esse potencial turístico na região, além do movimento de educação com o turismo como ferramenta, pois uma vez o cliente visitando a fazenda, entendendo todo o processo que existe por trás da xícara, agrega a toda cadeia produtiva, tornando a xícara mais sustentável.
“Para o produtor, existe a valorização e remuneração extra. Para o cliente, considere a segurança de saber o que está consumindo. Para a cafeteria, um cliente que viveu esse tipo de experiência passa a valorizar ainda mais cada dose, cada grão. Todos juntos saímos ganhando.”
O projeto Rota do Café Especial tem como sede São Lourenço, mas as vistas são feitas em Carmo de Minas (que fica a 9 km de distância). “Fomos pioneiros nesse nicho. A ideia nasceu para levar compradores de cafés na fazenda e mostrar todo o processo por trás da xícara.”
“Só em 2010 abrimos a possibilidade de levar o consumidor final para a fazenda. Nessa época não existia muita demanda, e nós praticamente pescávamos os clientes, principalmente nos hotéis da região.”
Hoje eles disponibilizam vários produtos dentro do mercado do turismo voltado para o café, mas os dois mais procurados segundo Gabriel são o Roteiro do pé à xícara (que tem duração de 4 horas, onde o consumidor entende todo o processo que existe por trás da xícara, além de acompanhar uma torra e fazer uma degustação guiada ao final); e o outro é o Loucos por café (um dia de imersão na fazenda, onde os visitantes vivem a experiência da rotina de uma fazenda no período de colheita).
A pandemia ainda não acabou e todos sabemos disso. Mas ficou claro que nossas vidas estão tomando rumos diferentes, nada voltará a ser o que era. E encontrar novas possibilidades, como o turismo mais forte para o mercado de café, é algo positivo que pode ser também delicioso.
A cadeia cafeeira é muito grande, e no nicho dos cafés especiais a responsabilidade sobre ela é muito intensa. Poder vivenciar isso, seja como for, independente da região produtora, pode ser um divisor de águas em sua relação com o consumo de café.
Acima de tudo, dê valor ao trabalho que acontece de sol a sol, e começa na lavoura. E, se tiver oportunidade, desfrute dessa vivência, dê-se esse presente, enquanto presenteia e celebra o nosso tão amado café.
Créditos: Tribus Studio (destaque, registros do roteiro Rota do Café Especial, em Carmo de Minas / MG); COFFEA Trips (registros do roteiro customizado para a Associação Caferon, em Rondônia). Terroir Café (trabalho remoto da equipe de pesquisadoras).
PDG Brasil
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