É preciso torrar o café para liberar o potencial
Nosso colunista Eystein Veflingstad define o trabalho com café como uma grande viagem sensorial. Essa viagem começa no campo, desde a seleção da variedade, a plantação da muda e a nutrição do solo. Mas só vai mostrar tudo o que tem após a torra.
Neste artigo, o colunista do PDG Brasil fala sobre a importância da torra do café para liberar todo o seu potencial. Para saber mais sobre o tema, siga lendo.
Você também pode gostar de ler os outros textos de Eystein Veflingstad.
Desafios da colheita
Bem-vindos para mais uma viagem sensorial, focado em torrefação de café especial.
Um dos desafios que temos pela frente é achar como melhorar o nosso padrão de colheita, e os processos aplicados no pós-colheita para começar a fazer café verde, sem esquecer que precisamos torrar para liberar o potencial. O mercado de café de hoje não tem muito foco nisso e por essa razão não estamos avançando como poderíamos.
Esse desafio é complexo. Temos dificuldades de achar pessoas para colher, e parece que cada ano que passa, somente aumenta essa dificuldade. Por outro lado, avanços tecnológicos também não estão entregando o necessário. Isso gera uma certa disparidade entre os produtores grandes, altamente ligados na tecnologia atual, e os produtores pequenos que, por bem ou mal, ainda têm que trabalhar de forma mais manual, porém com maior liberdade e com um maior número de opções disponíveis.
A relação entre a maturidade do fruto e a torra
Torrefação de café é um processo complexo, e o maior desafio que vejo hoje é como conseguir alinhar melhor o sensorial com as ferramentas que temos disponíveis.
Grãos imaturos, por exemplo, se desenvolvem de forma lenta, e é comum ver o resultado deles na maioria das torras. Eles apresentam uma coloração mais clara, pois não aceitam o calor na mesma velocidade do que os grãos maduros.
Por não se desenvolverem bem, os grãos imaturos apresentam adstringência, acidez simples e falta de doçura percebida, todos os indicadores que falam “peraí” para o nosso corpo. O nosso corpo não aprecia a fruta imatura pois a entende com potencial baixo de alimentar o organismo. Podemos torrar de forma mais lenta para deixar a torra mais uniforme, mas isso começa a excluir alguns atributos como um floral delicado, por exemplo.
Se separarmos melhor o verde, torrando as três faixas principais separadamente, podemos obter maior desempenho sensorial. Talvez o imaturo ficará bom com 15 minutos de torrefação, com o maduro brilhando em volta de 13 minutos, e os cafés em estágio “passa”, com tempo menor ainda. Além de aceitar o calor de forma mais rápida, o passa tem menor tolerância a temperaturas altas e fica difícil não degradar eles com grãos menos maduros. Eles já estão queimando, quando o maduro chega na temperatura final dele.
A relação entre pós-colheita e torra
Processos de pós-colheita também têm o poder de alterar essa “taxa de aceitação de calor”. A fermentação pode baixar essa taxa, necessitando uma torra mais devagar. Cafés lavados muitas vezes mostram que a aceitação do calor está baixa e que desenvolvem menos do que um café natural limpo. É por esse motivo que os lavados muitas vezes destacam acidez.
O que me faz ficar bem atento com cafés lavados é que uma boa parte da acidez me lembra frutas menos maduras, que ainda têm acidez com falta de complexidade, limitando a nossa salivação e travando a boca.
Um café que necessita uma temperatura final acima do limite sairá meio cru ou, se tentar finalizar o processo, sairá degradado e menos vivo na boca faltando doçura e acidez. Quando isso acontece, temos que olhar para a colheita e pós-colheita para achar as respostas.
Como podemos desenhar os processos de colheita, fermentação e secagem para os cafés se encaixarem num perfil de torra que realmente se aproveita todo o potencial sensorial e que respeita a aceitação geral do cérebro humano?
Algumas soluções
Uma parte disso pode ser feita por meio de uniformidade de maturação, buscando lotes de café com sensorial mais focado. O próximo passo é alinhar os processos e subprocessos de fermentação. Como podemos ter mais controle da cultura que fermenta o nosso café? Como podemos trabalhar a fermentação para ganhar um perfil mais focado?
Cerejas cheias de água têm maior potencial de mudança do que cereja que já secou no pé. Elas não têm como fermentar com a mesma taxa de velocidade e dificultam a obtenção de um sensorial focado.
Como podemos trabalhar para amenizar e sofrer menos com essa disparidade de desenvolvimento de potencial sensorial? Uma resposta que já temos, mas que ainda precisa ser melhorada, são as seletoras de cereja que trabalham como uma eletrônica, separando café verde e maduro.
Sempre imaginei uma máquina dessa móvel, rodando as lavouras, recebendo a colheita direto do pé para fazer essa separação o quanto antes. Não podemos esquecer que se deixar imaturo e maduro juntos, começam processos não desejáveis que levam a qualidade na xícara para baixo.
Há um experimento simples que podemos fazer para ilustrar isso, caso você tenha acesso a café maduro no pé. Colha uma quantidade e separe com muito critério somente as cerejas perfeitas segundo o seu paladar.
Deixa metade limpa e a outra metade “suja” com 5% de verde. Deixe secar com uma boa distância entre eles por 3 dias e compare o sensorial das frutas secando. As cerejas que têm verde por perto mostram de forma bem clara que sofreram bastante interferência. Está na mão para você testar e se aproveitar. Se tiver dúvida, coloque na boca.
A importância das amostras
A torrefação de amostras para ver como essa parte do nosso trabalho está caminhando pode ser um potencializador para torrefações e produtores de café. Feita com critério, a torrefação de amostras pode abrir horizontes novos e é uma ferramenta muito boa para pesquisa e melhoramento de processos no terreiro ou na torrefação.
Nesse momento, as fazendas estão focadas nos concursos de café verde e está sendo difícil até comprar café da safra nova devido à falta de benefícios. Estão todos ocupados com cafés para concursos. Daqui a pouco os produtores brasileiros vão liberar uma grande quantidade de cafés maravilhosos no mercado interno e quem tem torrefação de café especial como dia a dia terá muito trabalho a fazer.
O café oferece para nós, em cada etapa da produção, uma riqueza sensorial que podemos desfrutar com os olhos, a nossa língua e o olfato. Durante o processo de torrefação, baseado no trabalho prévio na fazenda, liberamos o potencial e o passamos em frente para a mão do e da barista, que finaliza a jornada do solo à xícara. Cada café no seu tempo.
Independentemente do que faz no seu laboratório ou torrefação, lembre-se de um detalhe muito importante: nunca deixe de dar o retorno para o produtor. Sem dados, fica difícil medir o progresso e alinhar o trabalho na fazenda. Quem torra café tem uma vida bem menos complexa do que quem produz. Ajude os produtores do jeito que cabe a você e faça com respeito, pensando na inclusão. Juntos somos menos limitados e mais fortes.
Créditos: banco de imagens.
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!