Guia básico do cold brew para brasileiros
Muita gente ainda acha estranho quando se fala sobre café gelado, e talvez a primeira coisa que venha em mente seja um tipo de bebida com cara e jeito de milk shake de café. Mas a verdade é que muito já se desbravou no mercado dos cafés especiais sobre o cold brew.
O cold brew é uma bebida super versátil e cada dia que passa ganha mais espaço no mercado e também o coração dos apaixonados por café.
Mas como será que é preparado esse café? Quais são as suas principais características técnicas, e de processo de produção? E será que é melhor consumi-lo puro, ou brincar com misturas mais inusitadas?
O PDG Brasil vai te ajudar a entender um pouco mais sobre essa bebida e expandir seus horizontes depois de ter conversado com especialistas brasileiros que exploram os potenciais do café gelado há alguns anos. Não deixe de ler até o final.
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O comecinho dessa história
Antes de começar a falar qualquer coisa sobre o cold brew, é preciso entender que ele não é um café preparado normalmente e que é consumido depois de esfriar. A química do cold brew vai muito além do resfriamento de um café preparado em contato com temperaturas quentes de água.
Existe essa distinção entre o iced coffee, que é preparado normalmente com água quente e depois se acrescenta gelo ao final do preparo. Em bebidas que passam por esse processo, se preservam as características sensoriais do café que já estamos acostumados a tomar quente.
No caso do cold brew, ele é uma bebida extraída a frio em um processo onde o café moído fica em contato com a água por várias horas, em temperatura ambiente ou dentro de equipamentos refrigerados e, sensorialmente falando, traz bastante diferença ao nosso paladar.
Não há registros exatos sobre a origem do cold brew, mas no geral a história que se dissipa no mundo do café é sobre sua origem em meados do século 17, quando os holandeses precisavam levar café até o Japão. A ideia era preservar ao máximo para que durassem nessas longas viagens de navio, então desenvolveram esse “café concentrado”.
Na época, a ideia era reaquecê-lo antes do consumo, como se fosse um avô do café instantâneo liofilizado que a gente conhece hoje em dia, conta Henrique Ortiz, barista e coffee hunter do Catarina Coffee and Love, que possui cafeteria e torrefação sediadas em São Paulo (SP).
Aqui no Brasil, o primeiro cold brew engarrafado foi desenvolvido por Ton Rodrigues, fundador da True Coffee Inc, nos sabores clássico e baunilha, ainda disponíveis no mercado. O Pato Rei Coffee Brewers, cafeteria e torrefação com sedes fixas na cidade de São Paulo (SP), fundado por Tiago de Mello, surgiu como clube de assinatura de cold brew, até onde se sabe o primeiro do Brasil.
E, afinal, o que exatamente é o cold brew?
Já sabemos que o cold brew tem seu preparo a frio, mas também é verdade que calor é um elemento catalisador da ação de solubilização dos sólidos solúveis do café, junto com a agitação, o tempo de contato do café moído com a água, a granulometria, a pressão e a torra.
“Ao alterar drasticamente uma das variáveis (temperatura, no caso do cold brew), é preciso compensar nas demais. Em geral, a solução mais utilizada é aumentar o tempo de contato da água com o café moído para compensar essa falta de temperatura, levando um cold brew a ser preparado por horas e até dias”, conta Tiago.
Ele menciona que segundo estudos feitos pela Swiss Water, o cold brew tende a apresentar menos cafeína do que o café preparado com temperatura de água quente, como por exemplo o coado.
“Isso se dá pelo fato de a cafeína ser um composto hidrossolúvel, que precisa de tempo de contato com a água para solubilizar-se. Mas, claro, isso sempre vai depender da receita utilizada.”
Detalhe muito importante é a qualidade da matéria-prima, essencial para qualquer preparo de café, o que não poderia ser diferente para extração de cafés a frio. Isso vale tanto para o café (não apenas sua qualidade está diretamente ligada ao resultado final, mas também suas características), quanto para a água (filtrada com carvão ativado ou água mineral engarrafada leve).
Vagner Benezath é sócio da torrefação Trentino Cafés Especiais, junto com Jonathan Piazarolo (campeão de brasileiro de torra 2019), e proprietário da Kaffa Cafeteria, sediada em Vitória (ES), onde desenvolveu a Hop & Cold, marca do primeiro cold brew lupulado do Brasil. Ele diz: “É de total importância a qualidade dos ingredientes, visto que é um método de extração que possui características como dulçor e acidez bem evidentes. Sem café e água de qualidade, além da técnica certa, não é possível ter uma bebida saborosa para cafeterias de especialidade”.
Café ideal para o preparo do cold brew
Em via de regra, não existe um café ideal, e a ideia é sempre testar e provar para encontrar seu preparo favorito, respeitando o gosto pessoal de cada consumidor. Mas perguntamos aos profissionais entrevistados sobre sua preferência, a fim de destacar os aspectos a serem considerados na escolha do café a ser utilizado no preparo de um bom cold brew.
Para Henrique, “existem diferentes perfis sensoriais de café, que vão produzir estilos diferentes de cold brew, a depender da região de origem e torra. É válido experimentar vários até descobrir o seu favorito.” Henrique conta que prefere sempre um café mais complexo e exótico para o preparo do cold brew.
Tiago prefere trabalhar com cafés mais ácidos e refrescantes para enfatizar essas características na bebida final. “Como em nossos espressos, usamos cafés de no mínimo 84 pontos na classificação da SCA, com a torra mais fresca possível (menos de 24 horas de torra, inclusive) e menos desenvolvidas (por volta de 8-10% de desenvolvimento), para não carregar demais no corpo e evitar deixar o cold brew enjoativo e pesado.”
Vagner dá preferência para uso de moagem mais grossa, tipo prensa francesa, e tempo de 24 horas de extração, com 7% de proporção de café para água. “Gosto dos cafés com notas de caramelo, chocolate, corpo alto e acidez baixa ou média. Em relação à cor, uma torra média.”
A versatilidade do cold brew
De acordo com nossos entrevistados, a maioria dos consumidores não conhece e acha bastante inusitado o consumo de café gelado. Considerando que nosso país passa a maior parte do ano com temperaturas elevadas, acima dos 30ºC, já passou da hora de o público abrir cada vez mais espaço para o consumo do cold brew e cafés gelados em geral.
Via de regra, o brasileiro consome café quente como hábito diário. Parte importante na disseminação de novas possibilidades de experiências, é papel das cafeterias e dos estabelecimentos apresentarem essas opções.
Tiago comenta que o Pato Rei é conhecido nacionalmente por seu cold brew clássico: “as pessoas, em geral, vêm para conhecer nosso cold brew. Para os que ainda não conhecem, ao pedirem por um ‘cafezinho’ respondemos sempre ‘espresso, coado ou gelado?’, enfatizando com naturalidade a possibilidade de consumir café gelado.”
Henrique comenta que no Catarina, 90% do público opta por drinque ou misturas. “Nossos Elixires (infusionados com especiarias ou ervas, prontos para beber, preparados em um sistema de imersão) acabam sendo uma porta de entrada para esse mundo, pois como estão mixados com outros ingredientes acabam mudando o foco: o consumidor pára de pensar que está provando um ‘café gelado’ e o considera um drinque, uma bebida refrescante diferente.”
“Nosso Elixir de Cardamomo é a principal arma para quebrar o possível preconceito. Ele leva cardamomo, umburana, alecrim e anis-estrelado na composição, que o deixam com uma cara de ‘chai’ e um coringa para elaboração de drinques.”
Receita de base
Agora que você já entendeu melhor esse universo da infusão a frio, que tal se aventurar e fazer seu próprio cold brew em casa?
Entenda antes a importância do testar e errar, mas não desistir. Vagner fala que faz parte desse processo, para assim entender suas variações e conseguir uma receita final que realmente te agrade.
Tiago recomenda para o processo caseiro trabalhar com café extraído a frio por imersão. “Em um pote de vidro bem limpo (preferencialmente higienizado e esterilizado), coloque o pó de café moído mais grosso e a água em temperatura ambiente.”
“Se moer mais fino, a bebida tende a ter mais corpo e possivelmente mais amargor; para mais doçura e corpo, afine a granulometria. Se usar água mais gelada, o café tende a ter menos corpo e menos doçura. Para obter mais acidez, deixe por menos tempo em extração.”
Ele sugere uma proporção de 1:10 (café:água, ou seja, 100 gramas de café para 1 litro de água). É importante que o café tenha o perfil que você quer na bebida final: as notas sensoriais importam, bem como o perfil de torra.
“Dê preferência para cafés mais cítricos, com baixíssimo teor de amargor e torra não tão carregada. Recomendo deixar o pó em infusão por 24 horas em geladeira, e coar em pano de queijo limpo. Coar em filtro de papel pode entupir demasiadamente, porque eles não foram projetados para aguentar tanto fine”, explica Tiago.
Depois de pronto, seu café extraído deve ser mantido na geladeira. Para conservá-lo fora da geladeira e aumentar sua validade, além de esterilizar o vidro é preciso pasteurizá-lo por processo de baixa temperatura.
Receita de drinque
Para perder o medo das misturas e começar a provar e testar bebidas mais diferentes, Henrique compartilhou sua receita favorita, bem simples e preguiçosa, para te inspirar:
INGREDIENTES:
- 3 pedras de gelo
- 60 ml de cold brew
- 10 ml de suco de limão
- 100 ml de água tônica
PREPARO:
- Adicione o gelo em um copo e esprema metade de um limão em cima;
- Cubra cerca de 2/3 do espaço com água tônica e, por último, despeje bem devagar o cold brew mirando no gelo, para criar duas camadas na bebida criando um ar mais fotogênico para seu drinque;
- Um bônus é finalizar com uma erva fresca direto da horta, como alecrim, sálvia ou manjericão, que dão um toque visual e adicionam aroma;
- Caso não tenha horta em casa, finalize com raspas ou uma rodela do próprio limão usado na receita.
Tudo nessa vida são experiências. Quanto melhores elas forem, melhor você assimilará e fará disso um novo hábito. Não faltam no mercado opções engarrafadas para se provar cold brew de altíssima qualidade, puros e clássicos, ou com misturas inusitadas e gaseificados.
Esteja aberto para novas experiências. Saia da caixinha, e se coloque à prova para testar e encontrar novas possibilidades de preparo também em casa, ou direto nos balcões das cafeterias.
O trabalho das cafeterias de mostrar novos caminhos para o consumidor é a ponta de um fio que termina em cada dose. Já dizia o poeta gráfico Alessandro Novello, do Letras Garrafais: quente ou gelado, o bom mesmo é lado a lado.
Créditos: Catarina Coffee and Love por Jessica Duma (destaque: Elixir Cardamomo engarrafado; Trio de Elixires: Cardamomo, Lupulado e Cumaru; drinque cold tônica com alecrim), Pato Rei por Ricardo D’Angelo (Patolatte e Patocchiatto; Cold Negroni); Hop & Cold por Vagner Benezath (cold brew lupulado).
PDG Brasil
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