Café em taça de vinho: como a forma do recipiente muda o sabor do café?
Existem muitas variáveis que afetam a experiência sensorial de beber um café especial. Desde o material de preparo até a altitude em que estamos, os sabores e aromas da xícara são afetados por muito mais do que apenas a técnica de processamento, o perfil de torra e o método de preparo.
Um exemplo é a forma do recipiente de bebida. Os resultados de um trabalho de pesquisa de 2018 afirmam que a forma da xícara afeta significativamente nossa percepção sensorial do café especial. Isso levou algumas cafeterias, e até mesmo alguns concorrentes do World Barista Championship, a servir certos cafés em xícaras de diferentes formatos.
Pesquisas semelhantes têm sido aplicadas e usadas há muito tempo na indústria do vinho, onde sommeliers e bartenders combinam certos vinhos com taças de formas diferentes para aumentar a experiência sensorial.
Em última análise, usar o copo certo ajuda a melhorar e complementar o perfil de sabor de um vinho. Então, servir café em uma taça de vinho poderia mudar seus sabores e aromas – e potencialmente melhorar a experiência também?
Para descobrir, conversei com Marek Krupa, sócio e CFO da Kruve, e Rafael Silva, proprietário do Sicafé em El Salvador. Continue lendo para saber mais.
Você também pode gostar do nosso artigo sobre se a forma do cesto do filtro pode afetar o sabor do café.
Como percebemos o sabor e o aroma do café?
Para entender o perfil de sabor do café, primeiro precisamos entender o que gosto, aroma e sabor realmente significam. Algumas definições gerais incluem:
- gosto (ou gustação): a sensação de perceber sabor na boca e garganta ao comer ou beber. existem cinco sabores básicos que nossas papilas gustativas percebem: salgado, amargo, doce, azedo e umami;
- aroma: um cheiro perceptível e distinto causado por uma mistura complexa de compostos voláteis;
- sabor: a percepção sensorial do gosto e do aroma em conjunto.
Muitas vezes falamos sobre como os métodos pós-colheita, técnicas de processamento, perfis de torra, métodos de preparo, temperatura de preparo e qualidade da água afetam os sabores e aromas de um café. Embora todos esses fatores certamente contribuam para o perfil de sabor, há também uma série de outras considerações a serem levadas em conta, como o formato do recipiente usado para beber.
Marek explica como a Kruve projetou sua linha de copos EQ especificamente para melhorar a experiência sensorial de beber café. “O recipiente em que se bebe tem um impacto significativo na percepção de sabor e aroma porque muda a maneira como sentimos o cheiro e o gosto da bebida, além da maneira como você a bebe. Além disso, nossos sentidos, sentimentos e emoções também afetam como experimentamos o café.”
Como a forma do recipiente afeta o sabor do café e a sensação na boca?
A maioria das cafeterias especializadas serve bebidas em xícaras de cerâmica ou copos de boca larga e borda grossa. Com o vinho, no entanto, a maioria dos sommeliers ou bartenders usa taças de pé alto, que consistem em três partes: o bojo, a haste e a base.
Segundo o sommelier de renome mundial, Aldo Sohm, o tipo e a forma de uma taça de vinho têm um enorme impacto na percepção sensorial. Em seu livro Wine Simple, ele explica que uma taça de vinho bem projetada ajuda a concentrar os aromas específicos de um determinado tipo de vinho. Isso significa que os compostos aromáticos “batem” no nariz e na língua da maneira certa, o que ajuda a elevar os sabores.
Ainda nessa mesma obra, Sohm explica que as melhores taças de vinho são feitas à mão e possuem uma borda muito fina e lisa. É assim que o vinho “bate” na ponta da língua, que é onde provamos a doçura. Além disso, ele explica que mesmo pequenas diferenças na forma e no design podem mudar como percebemos o sabor. Por exemplo, uma crista na borda do vidro pode criar uma pequena bolha. Isso significa que o vinho “bate” mais para trás em sua língua, onde sentimos o amargor e, finalmente, leva a uma experiência sensorial menos agradável.
A importância da abertura do bojo
Em consonância com isso, é comum que bartenders e sommeliers sirvam certos vinhos em taças específicas. Isso porque forma e tamanho específicos podem realçar certos sabores e aromas. Taças com bojos menores são geralmente usadas para vinhos brancos. Já as com aberturas mais largas são usadas para vinhos tintos de corpo leve, por exemplo.
Da mesma forma, em um estudo de 2015, pesquisadores japoneses usaram uma câmera especializada para registrar como diferentes formatos de taças afetam a densidade e a posição dos vapores na borda ao tomar vinho. Esses vapores levam compostos aromáticos ao nariz e também são responsáveis pela grande maioria dos sabores do vinho.
E o café?
Como o vinho, Marek diz que a forma e o design dos recipientes de bebida têm efeitos semelhantes no café. “Projetamos nossos copos para ter uma borda fina de parede única. Isso permite que o café flua para sua língua, como numa taça. e também para ter um amplo espaço para capturar os aromas. Isso é fundamental para melhorar a experiência sensorial, porque se você puder captar e canalizar aromas para o sistema olfativo, poderá aumentar o sabor.”
Rafael explica que gosta de servir café filtrado em taças de vinho na Sicafé – que é fazenda, exportadora e torrefação em El Salvador. “Beber café em taça de vinho oferece uma experiência muito diferente e única”, diz ele. “Os cafés podem ser melhor degustados em taças de vinho, pois o formato da taça concentra os aromas e sabores.”
E quanto a meteriais diferentes?
Além do design e do formato do recipiente para beber café, o material também é importante. Alguns materiais são mais suscetíveis à perda de calor do que outros, enquanto outros podem absorver ou liberar sabores e aromas no café preparado. Em ambos os casos, os sabores e aromas do café mudarão.
Alguns exemplos são:
- plástico – este material tem a melhor retenção de calor, mas pode absorver ou adicionar sabores e aromas;
- cerâmica – boa retenção de calor e não absorve nem transmite sabores e aromas;
- metal – baixa retenção de calor e pode transmitir ou remover sabores e aromas.
O vidro, entretanto, é um material não poroso. Isso significa que não interfere nos sabores e aromas do café. Além disso, como o visual é uma parte importante da experiência sensorial, muitas pessoas gostam de poder ver o café filtrado através do copo enquanto bebem.
Silva diz que essa é uma das principais razões pelas quais ele prefere usar taças de vinho. “As taças de vinho que usamos proporcionam uma experiência sensorial melhor porque mantêm a temperatura da bebida, para que os sabores permaneçam vivos e intensos”, explica.
“A cerâmica é melhor material para conservar a temperatura da bebida, mas geralmente a forma dos recipientes de cerâmica tem a boca larga, o que significa que mais compostos aromáticos evaporam mais rapidamente Isso o ajuda a apreciar o café como se estivesse bebendo em uma taça de vinho”, acrescenta.
Cafeterias deveriam usar taça de vinho para servir cafés específicos?
Embora existam vários benefícios em servir e beber café em uma taça de vinho, poucas cafeterias fazem isso. Indiscutivelmente, uma das principais razões é que os copos de vinho quebram facilmente. Em uma cafeteria movimentada, isso pode ser um grande risco à saúde e à segurança.
Da mesma forma, como o café de filtro é preparado em altas temperaturas, a maioria das taças de vinho quebraria ao contato com o café, a menos que fossem feitas de vidro temperado. Isso significa que os baristas teriam que esperar até que o café atingisse uma temperatura mais baixa antes de servir – o que não apenas desaceleraria o serviço, mas também impediria o cliente de experimentar todo o espectro de sabores e aromas de um café.
Rafael, no entanto, diz que as taças de vinho podem ser uma opção para alguns cafés especiais oferecerem uma experiência única. “Isso permitiria que clientes menos experientes apreciassem ainda mais os cafés especiais”, ele afirma. “Sabores e aromas podem ser mais facilmente percebidos em taças de vinho do que em canecas ou xícaras.” Por exemplo, a taça de vinho pode ser usada para cafés de origem única com torras leves, uma vez que atinjam uma certa temperatura.
Taça de vinho ou xícaras de diferentes formatos?
Em comparação com o uso de taças de vinho, servir café em xícaras em formatos diferentes é uma opção mais viável para a maioria das cafeterias. Na verdade, o renomado torrefador norueguês Tim Wendelboe serve café específicos em xícaras de cerâmica de diferentes formatos há algum tempo. Isso é amplamente baseado em pesquisas de que o aroma e a doçura são mais perceptíveis ao beber em recipientes arredondados e amplos.
Também vimos participantes do World Barista Championship tomarem decisões semelhantes. O vice-campeão do WBC de 2023, Daniele Ricci, por exemplo, usou xícaras específicas para seu espresso. Elas foram projetadas para ter um fundo alto e a frente baixa para que os juízes pudessem avaliar completamente os compostos aromáticos do café.
Qual o benefício das xícaras de formatos diferentes?
Marek explica como o uso de xícaras de formas diferentes pode beneficiar as cafeterias. “Como o vinho tinto, o café também contém taninos que podem torná-lo adstringente. Para evitar isso na indústria do vinho, as taças de vinho tinto têm uma ampla área de superfície, o que aumenta a oxidação do vinho.
À medida que o vinho, e o café, se oxidam, os taninos se quebram, e seu sabor fica mais doce. Nossos copos Excite têm o dobro da área de superfície do que os copos Inspire, então o mesmo café terá um sabor mais doce.”
Por fim, há benefícios claros em servir café em uma taça de vinho. A forma e o design desses recipientes podem ajudar a melhorar o sabor e o aroma e proporcionar uma experiência sensorial totalmente nova aos consumidores.
Ao mesmo tempo, no entanto, os copos de vinho não são práticos para a maioria das cafeterias. À luz disso, o uso de xícaras de formato diferente para certos cafés pode oferecer uma experiência semelhante – e ajudar a exaltar seu café.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como diferentes materiais afetam o sabor do café.
Créditos das fotos: Dorothee Brand, Marek Krupa
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine nossa newsletter!