Por que está ficando mais difícil para os produtores fazerem seus cafés se destacar?
Nos últimos anos, os produtores vêm criando e implementando métodos de processamento experimentais mais diversificados para se destacar no mercado de cafés especiais. Como resultado, os perfis sensoriais tornaram-se mais únicos e complexos. Além disso, o número de produtores que cultivam variedades mais exclusivas ou mesmo espécies diferentes também vem aumentando. Por sua vez, o setor de cafés especiais está se tornando cada vez mais empolgante. No entanto, com mais produtores adotando uma abordagem semelhante, cabe a pergunta: Fazer seu café se destacar está ficando mais difícil?
Para descobrir, conversei com dois produtores de café e um comprador de café verde. Continue lendo para saber mais.
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Acompanhando as inovações no processamento de café
Costuma-se dizer que as práticas de processamento pós-colheita são responsáveis por até 60% da qualidade geral do café. Mas não só isso, os métodos de processamento têm um enorme impacto no sabor do café e na sensação na boca. Ao ajustar e controlar diversas variáveis, os produtores podem criar sabores emocionantes e profundamente complexos. Em alguns casos, eles podem até aumentar as pontuações desses grãos.
Não é de admirar que os produtores – especialmente aqueles que têm os recursos e o nível certo de apoio – estejam experimentando novos métodos de processamento. Alguns deles incluem a maceração carbônica, a fermentação láctica e a fermentação anaeróbica, que estão se tornando cada vez mais comuns em cafés especiais.
Jamie Jongkind é o gerente de vendas europeu da Nordic Approach. Ele diz que a inovação nos métodos de processamento é uma progressão natural do mercado de cafés especiais. “Métodos de processamento que antes eram considerados novos agora são a nova linha de base, o que ajuda a impulsionar a inovação. Enquanto o nível de inovação for razoável, os torrefadores continuarão comprando esses cafés. Como resultado, eles pressionam a indústria a fazer melhor”, acrescenta.
O cultivo de variedades raras é uma forma de se destacar
Nos últimos anos, outra maneira notável de os produtores começarem a diferenciar seus cafés é cultivando variedades raras e exclusivas de arábica. Alguns delas incluem:
- gesha – muitas vezes considerada a queridinha do café especial;
- sidra – uma variedade desconhecida que se acredita ter vindo de uma instalação de reprodução no equador;
- bourbon rosa – que venceu o world barista championship de 2023;
- sudan rume – usado pelo campeão mundial de baristas de 2015, sasa sestic, em sua rotina vencedora;
- java – uma variedade etíope com potencial de alta qualidade;
- laurina – uma variedade naturalmente com baixa cafeína que venceu a world brewers cup de 2018.
Embora seja certamente mais difícil cultivar com sucesso algumas dessas variedades, há benefícios em fazê-lo – incluindo preços mais altos em alguns casos.
José Giraldo é um produtor de café de terceira geração e fundador do Café 1959 na Colômbia – uma fazenda que cultiva café há mais de 50 anos. Ele explica que na Colômbia houve uma certa evolução no setor cafeeiro. Cada vez mais, os produtores estão se concentrando no cultivo de variedades raras e na realização de novas técnicas de processamento.
Ele diz que entre as décadas de 70 e 90, a Colômbia era conhecida principalmente por produzir cafés de sabor mais suave, como Caturra e algumas variedades Typica. “Cada vez mais produtores colombianos cultivam variedades nativas da Etiópia, como Gesha e WushWush, outras variedades como SL 28, Sidra e Mokka, ou até mesmo espécies como Eugenioides. Um número crescente de produtores também está usando métodos de processamento de fermentação natural, anaeróbica ou maceração carbônica”, ele afirma.
Está ficando mais difícil para os produtores diferenciar seus cafés?
Com mais produtores do que nunca implementando métodos de processamento experimentais e cultivando variedades mais raras, está se tornando mais difícil para eles se destacarem no mercado?
Jamie realmente acredita que está ficando mais fácil. “Com os produtores usando técnicas de processamento mais inovadoras, agora é mais acessível para uma gama mais ampla de produtores se diferenciar, oferecendo uma seleção maior de cafés ou tendo protocolos mais exclusivos, mais adequados ao seu terroir”, diz.
José concorda, dizendo que um melhor acesso à internet está ajudando os produtores a impulsionar a inovação nas fazendas. “Hoje, os agricultores têm muito mais acesso a muitas informações e recursos para poderem discutir diferentes variedades ou métodos de processamento uns com os outros”, acrescenta.
No entanto, isso não quer dizer que os produtores não enfrentem desafios quando se trata de diferenciar seus cafés. “Os cafés ‘em alta’ e os métodos de processamento mudam tão rapidamente – mesmo entre as colheitas – o que torna ainda mais difícil prever o que segue”, diz José. “Acho que isso está levando os produtores a inovar e criar novos métodos de processamento ou plantar diferentes variedades para se destacar em um mercado altamente competitivo.”
Jorge Raul Rivera é um produtor de café de segunda geração na Finca Santa Rosa, em El Salvador, que cultiva predominantemente Pacamara. “As pessoas estão pagando preços altos pela Gesha, então é uma variedade de café especial na moda”, diz ele. “As pessoas querem o que está na moda.”
Os produtores estão se sentindo pressionados a inovar?
A inovação contínua é fundamental para impulsionar o crescimento no mercado de cafés especiais. No entanto, a demanda por cafés mais “excitantes” está, sem dúvida, colocando uma quantidade crescente de pressão sobre os produtores. Por exemplo, decidir implementar um novo método de processamento ou cultivar uma variedade diferente pode envolver sérios riscos que os produtores precisem absorver. Enfim, os agricultores precisam garantir que possam encontrar compradores para esses novos cafés.
Ao mesmo tempo, eles também podem precisar fazer algumas escolhas difíceis ao realizar essas novas práticas agrícolas – além de investir quantias significativas de dinheiro antecipadamente. “Essa situação às vezes é mais perigosa do que pragas ou doenças”, diz José. “É um investimento enorme em termos de dinheiro e tempo. E nem sempre é garantido que os produtores receberão um preço premium apenas porque cultivam essa variedade.”
Absorvendo os riscos para se destacar
Jamie reconhece que há uma pressão crescente sobre os produtores para se tornarem mais inovadores como forma de se destacar. Mas ele acredita que os torrefadores também estão se tornando mais conscientes de quanto trabalho estão exigindo dos produtores. “A agitação sobre ter novas variedades a cada dois anos – fortemente impulsionada por torrefadores – parece ter sido substituída por uma ênfase maior nos métodos de processamento, que para o produtor é muito mais fácil de lidar”, diz ele.
Jamie explica que a Nordic Approach segue certos procedimentos para garantir que os produtores possam realizar esses métodos de processamento de forma sustentável. Isso começa trabalhando em estreita colaboração com os produtores para entender suas motivações, habilidades e capacidades específicas, bem como os equipamentos e recursos aos quais já têm acesso.
Em seguida, Jamie acrescenta que a Nordic Approach ajuda os produtores a garantir que os métodos de processamento experimental sejam controlados. No entanto, ele enfatiza que é importante também comunicar claramente que nem sempre é garantido que eles possam replicar os resultados. A pré-contratação e o pré-financiamento de cafés também podem ajudar a garantir que os produtores não suportem o peso do risco financeiro.
Ainda, tentar novos métodos de processamento significa que os produtores devem ter uma compreensão profunda das diferentes necessidades do mercado, bem como a disposição e a capacidade de experimentar diferentes variáveis.
José, por sua vez, diz que escalar novos métodos de processamento experimental pode ser um risco enorme, mas os resultados às vezes valem a pena. “É preciso tentar coisas diferentes para obter resultados diferentes”, diz ele. “Pode ser difícil, mas se você considerar a responsabilidade de todas as partes interessadas da cadeia de suprimentos, poderá reduzir o risco.”
Para se destacar, a qualidade é fundamental
Para qualquer negócio de café, se destacar entre os concorrentes é vital – e isso também inclui os produtores. No entanto, Jorge explica que os riscos financeiros dos agricultores aumentarão mais se não se concentrarem na qualidade em primeiro lugar.
“Não acho que os agricultores percam dinheiro se não diferenciarem seu café. Acho que eles perdem dinheiro se não se esforçarem e priorizarem a qualidade. Se você for capaz de produzir café que permaneça fresco por mais tempo e tenha notas de sabor desejáveis, é provável que as pessoas paguem mais por esse café”, diz.
É possível experimentar e inovar ainda mais?
Com tantos métodos de processamento inovadores usados em cafés especiais agora, é importante perguntar quanto espaço há para mais crescimento e experimentação.
Jamie diz que, à semelhança das indústrias do vinho e do chá, há sempre espaço para mais inovação. “A indústria do café nunca parou de se desenvolver, mas anteriormente o espaço para crescimento era menor”, ele me diz. “Agora, há influências de toda a cadeia de valor, bem como de outras indústrias. Acho que a inovação em cafés especiais nunca vai parar.”
Jorge, no entanto, acha que a experimentação (especialmente com métodos de processamento) deve permanecer o mais natural e localizada possível. “Estávamos conversando com um microbiologista na Colômbia. Ele realiza a fermentação com micróbios locais na fazenda de café, o que acredito ser a maneira certa de fazer as coisas ”, diz ele. “Algumas pessoas usam leveduras e bactérias que vêm de outras partes do mundo, o que acho que pode criar desequilíbrio à medida que a natureza segue seu próprio curso.”
A importância da sustentabilidade para se destacar no setor de cafés especiais
Além disso, Jamie ressalta que devemos ter em mente a sustentabilidade social e ambiental ao pressionar pela inovação em cafés especiais. “Temos a oportunidade não apenas de exigir a próxima ‘grande novidade’, mas de incorporar simultaneamente sustentabilidade e ética em toda a cadeia de suprimentos”, diz ele. “Queremos garantir que o valor seja criado por respeito ao esforço, dedicação e visão compartilhados.”
Em um mercado cada vez mais competitivo, é essencial que os produtores se destaquem e mostrem seus cafés da mais alta qualidade.
Mas, à medida que a indústria de cafés especiais continua a se diversificar e os produtores continuam a usar novos métodos e variedades de processamento, é importante mantermos a abordagem correta em mente. Em última análise, é preciso haver um equilíbrio entre inovação e sustentabilidade.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como os produtores podem definir perfis sensoriais para seu café.
Créditos das fotos: Zacharias Elias Abubeker, Jorge Raul Rivera
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil
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