Fermentação lática: o que os torrefadores precisam saber
Para alguns produtores de café, os métodos de processamento experimental são uma maneira útil de melhorar o sabor e a qualidade do café. Ao mesmo tempo, mais torrefadores e consumidores estão se interessando por essas técnicas avançadas de processamento. E, por sua vez, estão sendo expostos a novas maneiras de degustar o café.
Um desses métodos é a fermentação lática. Trata-se de um processo defendido pelo inovador La Palma y El Tucán, na Colômbia. Classificado como fermentação anaeróbica, o processo envolve a criação de um ambiente ideal para o crescimento de culturas de lactobacilos. Isso geralmente resulta numa sensação mais cremosa na boca, além de mais sabores que remetem a iogurte.
Portanto, considerando como a fermentação lática pode afetar os perfis sensoriais, também é justo supor que esses cafés precisam ser torrados e preparados de maneiras diferentes para destacar suas melhores características. Para saber mais, conversei com Felipe Sardi, sócio da La Palma y El Tucán, e Christopher Feran, consultor e especialista do setor cafeeiro. Continue lendo para saber o que eles têm a dizer.
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O que é fermentação lática?
Embora a fermentação lática seja um método de processamento relativamente novo no setor de cafés especiais, ele certamente não é novo para a indústria de alimentos. Durante séculos, chefs e cozinheiros domésticos têm usado a fermentação para preservar diferentes alimentos – ou mesmo melhorar o sabor. Alguns alimentos lacto-fermentados comuns incluem:
- picles;
- kimchi (repolho coreano);
- chucrute;
- iogurte;
- certos queijos;
- kombucha;
- pão sovado;
- tipos específicos de molho picante.
Então, vamos explicar o que é a fermentação lática. Essencialmente, é um tipo de fermentação anaeróbica, o que significa que não há oxigênio presente durante o processo. Os microrganismos dominantes são as bactérias do ácido lático (LAB), que prosperam em ambientes livres de oxigênio. O LAB converte carboidratos simples em ácido lático – assim como dióxido de carbono, etanol e, às vezes, ácido acético.
Felipe Sardi é sócio e CEO da La Palma y El Tucán nas montanhas de Zipacon, Cundinamarca, na Colômbia. Ele explica como desenvolveram seu próprio processo de fermentação lática. “Após despolpar as cerejas, o café é selado em tanques para evitar a presença de oxigênio durante o processo de fermentação. Isso permite que bactérias láticas anaeróbias facultativas como Leuconostoc mesenteroides se multipliquem rapidamente e consumam os açúcares na mucilagem. Isso produz o ácido lático.”
“Em comparação com o processamento natural, até 90% da glicose e frutose são removidas do grão”, acrescenta. “A queda no nível de pH do aumento do ácido lático desencadeia reações enzimáticas, que também podem afetar o sabor. Monitoramos de perto variáveis como temperatura e pH em vários estágios para controlar a fermentação.”
Encontrar o melhor método
No café especial, existem dois métodos primários de fermentação lática que os produtores usam atualmente: inoculando com um iniciador específico de laboratório ou usando uma salmoura de 2-3%. Ambos são implementados em um ambiente de baixo oxigênio sob rigoroso controle para promover o crescimento saudável das LABs.
Christopher Feran é consultor de café, comprador ecológico, torrador e antigo Q-grader. Ele explica em detalhes como esses processos funcionam. “As LABs são halotolerantes ou halofílicas, o que significa que crescem ou prosperam em condições de alto teor salino. Isso obviamente dá a essas bactérias uma vantagem em comparação com micróbios que são halofóbicos ou requerem oxigênio.”
“Acredito que o melhor método para a fermentação lática é aquele que atinge o resultado desejado da maneira mais confiável, segura e econômica”, acrescenta. “Na maioria dos casos, usar uma salmoura a 2% é suficiente para produzir um bom perfil de copo. Mas para os produtores com recursos, a inoculação é certamente o método mais confiável e repetível.”
Felipe conta como La Palma y El Tucán desenvolveu seu método de processamento de fermentação lática de uma forma que destaca o terroir único da fazenda. “Descobrimos que condições anaeróbicas rigorosas e tempos de fermentação prolongados além de 80 horas produzem os melhores resultados”, diz ele. “Também adaptamos nosso processo com base em observações de campo. Por exemplo, a redução da temperatura inibirá o crescimento de fungos, o que pode criar sabores indesejáveis.”
Qual o impacto no sabor e na sensação na boca desses cafés?
Ao beber cafés com fermentação lática, existem diferenças notáveis no sabor e na textura. A pesquisa mostrou que o uso de LABs durante o processamento produzirá notas de sabor floral, frutado, cremoso e amanteigado mais distintas, bem como uma sensação na boca mais cremosa.
“Com base em nossa experiência, a fermentação lática pode criar uma doçura mais intensa”, diz Felipe. “Os cafés fermentados láticos também têm mais notas de chocolate e manteiga e um corpo mais aveludado. O alto teor de ácido lático contribui diretamente para o perfil sensorial do café. Estes são sabores altamente distintos que normalmente não são encontrados em cafés processados convencionalmente.”
Christopher, por sua vez, ressalta que existem muitos tipos de fermentação lática. Cada um pode influenciar o perfil final do copo e a experiência sensorial geral de diferentes maneiras. “Por exemplo, você pode fermentar cerejas antes de usar um processo de fermentação lática despolpada ou implementar um método de processamento no estilo maceração carbônica. É difícil generalizar a fermentação lática”, diz.
“Os resultados variam dependendo de como você desenvolve sua técnica de processamento”, ele acrescenta. “As fermentações láticas salgadas usando cerejas secas tendem a resultar em cafés mais brilhantes e complexos com uma sensação mais cremosa na boca. Em comparação, as fermentações láticas despolpadas geralmente produzem sabores mais brilhantes e florais e tropicais.”
Como torrar e preparar cafés de fermentação lática?
O desenvolvimento do perfil de torra é baseado em uma ampla gama de variáveis, mas os métodos de processamento são dos mais proeminentes. Felipe acredita que os cafés fermentados láticos podem se beneficiar de perfis de torra que aumentam a doçura e os sabores de chocolate.
“Os métodos de preparo também podem ajudar a destacar mais sabores únicos e sutis”, explica ele. “Como esses métodos de processamento são tão novos, é útil alavancar técnicas especializadas e personalizadas de torrefação e preparo de café.”
Por que o interesse por esses cafés está aumentando?
Como outros métodos de processamento, a fermentação lática pode fornecer certos benefícios para alguns produtores. Por exemplo, um estudo de 2016 mostrou que essas técnicas podem melhorar o próprio processo de fermentação – bem como aumentar a qualidade e a pontuação do copo da xícara.
“Os sabores e aromas complexos criados durante a fermentação lática parecem ter o potencial de melhorar a qualidade, mas isso requer um conhecimento profundo e muitas tentativas e erros para alcançar resultados desejáveis e sem defeitos. Quando feito corretamente, descobrimos que a fermentação lática pode aumentar a qualidade do café com sabores mais exclusivos. No entanto, o processo pode não melhorar o perfil de sabor para os consumidores de café mais tradicionais”, diz Felipe.
Em outra nota, Christopher diz que o processo de fermentação lática não é uma solução geral para melhorar a qualidade do café. “Não acredito que o processamento seja uma bala de prata”, diz ele. “Se um produtor estiver usando outros métodos, a fermentação lática pode ser uma alternativa mais limpa e segura, mas eu diria que o processo diferencia um café em vez de melhorá-lo.”
Há espaço para uma maior popularização dos cafés de fermentação lática no futuro?
A fermentação lática e outros métodos de processamento experimental, sem dúvida, continuarão a progredir e evoluir. Como resultado, eles certamente terão um impacto positivo no setor de cafés especiais – e também permanecerão populares. “Muitas fermentações láticas são fáceis de executar e apresentam menor risco do que outros métodos avançados de processamento”, diz Christopher. “Além disso, eles exigem materiais mais simples e amplamente disponíveis, como o sal marinho, sendo provável que eles cresçam em popularidade.”
Embora Felipe concorde, ele acrescenta que os cafés lacto-fermentados continuarão a ser um segmento do nicho de mercado de cafés especiais. “À medida que as técnicas de processamento melhoram e a conscientização do consumidor aumenta, os cafés láticos certamente parecem estar prestes a se tornar mais populares entre os entusiastas de cafés especiais que procuram novas experiências”, diz ele.
“No entanto, dada a complexidade e o grau de controle necessários, é provável que essas técnicas sejam uma parte menor do mercado mais amplo Mas para os produtores que estão focados na inovação e na criação de sabores distintos, a fermentação lática oferece um caminho promissor”, conclui.
É preciso muita dedicação, conhecimento e tempo para realizar a fermentação lática com os mais altos padrões. Mas Felipe e Christopher acreditam que esses métodos de processamento são algumas das maneiras mais confiáveis e econômicas de mudar o sabor do café e a sensação na boca.
Quando bem feito, há vantagens claras na implementação de tais técnicas. Sem os recursos e o nível de conhecimento certos, no entanto, os produtores podem ter dificuldade em obter tanto sucesso quanto esperam.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre torrefação de café e métodos experimentais de processamento.
Créditos das fotos: La Palma y El Tucan
Tradução: Daniela Melfi.
PDG Brasil
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